Muitas pessoas com atração
pelo mesmo sexo se perguntam: como posso me santificar tendo AMS? É impossível,
isso não está nos planos de Deus, tenho de eliminar essa atração de qualquer
maneira, ou nunca me salvarei. Ou então afirmam a si mesmos que já estão
condenados, e que de nada adiantam os esforços para não praticar os atos decorrentes
dessa inclinação desordenada. Nada é mais falso do que pensar dessa maneira.
Seremos perfeitos apenas no
céu. Deus não prometeu a ninguém estar livres das cruzes desta terra, das
imperfeições, das más inclinações. O que ele nos pede, e para isso nos dá sua
graça, é que batalhemos contra nossas más tendências constantemente, sejam elas
quais forem, até o dia de nossas mortes e comparecimento perante Ele. São
Paulo, como ele mesmo descreve, pediu a Deus para tirar um espinho de sua
carne, mas Deus não o fez. “Demais, para
que a grandeza das revelações não me levasse ao orgulho, foi-me dado um espinho
na carne, um anjo de Satanás para me esbofetear e me livrar do perigo da
vaidade. Três vezes roguei ao Senhor que o apartasse de mim. Mas ele me disse:
Basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha
força. Portanto, prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em
mim a força de Cristo.” (II Cor 12, 7-9).
O seguinte texto, de um santo padre jesuíta do século XVIII, mostra como a
santidade é possível e fácil para todos, com atração pelo mesmo sexo ou não, se
não complicarmos o verdadeiro trabalho de santificação de nossas almas. Nunca
ouviu falar de santos que tivessem atração pelo mesmo sexo? Ora, há fatos que
ficam no passado da vida dos santos e não são publicamente revelados. Não há
limites para o poder de Deus, e dizer que a atração pelo mesmo sexo é empecilho
seria limitar o divino poder. Sejamos santos como o Pai é santo!
Como a santidade se tornaria fácil,
se fosse considerada deste ponto de vista
Se a obra da nossa santificação nos oferece dificuldades
tão insuperáveis na aparência, é porque não temos dela uma idéia exata. De
fato, a santidade se reduz toda a uma só coisa – a fidelidade à vontade de
Deus. Ora, essa fidelidade está ao alcance de todos, tanto na sua prática ativa
como no seu exercício passivo.
A prática ativa da fidelidade consiste no cumprimento das
obrigações que nos são impostas, quer pelas leis gerais de Deus e da Igreja,
quer pelo estado particular que abraçamos. E o exercício passivo consiste na
aceitação amorosa de tudo o que Deus nos envia a cada instante.
Destas duas partes da santidade, qual é a que está acima
das nossas forças? Não é a fidelidade ativa, pois as obrigações que ela nos
impõe cessam de ser obrigações desde que o seu cumprimento excede realmente as
nossas forças. O estado de saúde em que vos encontrais não vos permite ir
assistir à Missa? Não estais obrigados a ouvi-la. E o mesmo se diga de todas as
obrigações positivas, isto é, daquelas que nos prescrevem o cumprimento de
algum ato. Só as que nos proíbem de fazer coisas que são más em si mesmas é que
não sofrem exceção alguma, pois nunca é permitido fazer o mal.
Haverá, portanto, coisa mais fácil e mais razoável? Que
desculpa é que poderemos alegar? Ora, é precisamente isso o que Deus exige da
alma, no trabalho de sua santificação. Exige-o aos grandes e aos pequenos, aos
fortes e aos fracos: numa palavra, a todos, em todo o tempo e em todo o lugar.
Por conseguinte, é muito verdade que não exige da nossa parte senão o que é
possível e fácil, pois basta possuir esse fundo tão simples para chegar a uma
santidade muito elevada.
Se para além dos mandamentos nos aponta os conselhos como
alvo mais perfeito para o qual havemos de tender, tem, contudo, o cuidado de
acomodar a prática desses conselhos à nossa situação e ao nosso caráter. Como
sinal principal da nossa vocação para os seguir, dá-nos os auxílios da graça
que nos facilitam a sua prática. Nem chama a ninguém senão na medida das suas
forças e no sentido das suas aptidões. Mais uma vez ainda: poderia imaginar-se
alguma coisa mais razoável?
Ó vós todos que tendeis à perfeição e vos sentis tentados
de desânimo à vista do que ledes nas vidas dos santos e do que certos livros de
piedade vos prescrevem; ó almas que vos afligis a vós mesmas com as idéias
terríveis que tendes da perfeição; é para vossa consolação que Deus quer que eu
escreva estas palavras.
Aprendei, pois, o que pareceis ignorar. Esse Deus de
bondade tornou fáceis de adquirir todas as coisas necessárias e comuns na ordem
natural, como o ar, a água e a terra. Nada mais necessário do que a respiração,
o sono e o alimento; mas nada também mais fácil. O amor e a fidelidade não são
menos necessários na ordem sobrenatural; por isso a dificuldade em os alcançar
não deve ser tão grande como no-la representamos.
Reparai na vossa vida. De que é que se compõe? De uma
série de ações de bem pouca monta. Ora, dessas coisas de tão mesquinha
importância é que Deus se digna contentar-se. Essa é a parte que toca à alma no
trabalho da perfeição. E para que não pudéssemos ter disso dúvida, quis
explicar-no-lo bem claramente: “Temei a Deus e observai os seus mandamentos;
isso é convosco”. Quer dizer: eis tudo o que o homem deve fazer pela sua parte,
eis em que consiste a sua fidelidade ativa. Cumpra o homem o que lhe toca, e
Deus fará o resto. A graça divina reserva para si mesma a realização de
maravilhas que ultrapassam toda a inteligência do homem. Porque nem os ouvidos
ouviram, nem os olhos viram, nem o coração sentiu o que Deus concebe na sua
idéia, resolve na sua vontade e executa pelo seu poder, nas almas que a Ele se
abandonam.
A parte passiva da santidade é ainda muito mais fácil,
pois não consiste senão em aceitar o que na grande maioria dos casos não se
pode evitar; e em sofrer com amor, isto é, com suavidade e consolação, o que
tantas vezes se suporta com aborrecimento e desgosto.
Mais uma vez ainda: eis a santidade toda inteira. Eis o
grão de mostarda, cujos frutos não recolhemos porque não sabemos reconhece-lo
na sua insignificância. Eis a dracma do Evangelho, o tesouro que não
encontramos porque o supomos muito afastado para o ir buscar.
Nem me pergunteis qual é o segredo de encontrar este
tesouro. Porque verdadeiramente não há segredo. Este tesouro está em toda a
parte, e a todos se oferece em todo o lugar e em todo o tempo. As criaturas
amigas e inimigas dão-no-lo a mãos cheias e fazem-no correr pelas faculdades do
nosso corpo e alma, até ao mais fundo do nosso coração. Basta abrir a boca, e
ficará repleta.
A ação divina inunda o universo, penetra todas as
criaturas, sobrenada acima de todas, está em toda a parte onde elas estão;
adianta-se a elas, acompanha-as, segue-as; não temos senão que nos deixar levar
pelas suas ondas.
Prouvera a Deus que os reis e seus ministros, os
príncipes da Igreja e do mundo, os sacerdotes, os soldados, os patrões e os
operários, numa palavra, todos os homens, conhecessem quanto é fácil atingir
uma santidade eminente. Para eles não se trata senão de cumprir os simples
deveres do cristianismo e do seu estado, e abraçar com submissão as cruzes que
lhe estão inerentes, e submeter-se com fé e amor à vontade da Providência, em
tudo o que se lhes apresenta para fazer ou sofrer, sem mesmo o buscarem.
Esta espiritualidade foi a que santificou os profetas,
muito antes de que houvesse tantas regras e tantos mestres. É a espiritualidade
de todas as idades e de todos os estados, que certamente não podem ser
santificados de maneira mais elevada, mais extraordinária e mais ao nosso
alcance, do que realizando simplesmente o que Deus, soberano diretor das almas,
lhes dá em cada momento a fazer ou sofrer.
(extraído do Capítulo III do livro "O abandono à Providência Divina", do Padre Jean Pierre de Caussade, S.J.)
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