MOTIVOS E MEIOS
DE PASSAR SANTAMENTE O ANO
Motivos de passar santamente
o ano
1.º Temos um triste passado a reparar. Deus
havia-nos concedido o ano findo para o empregar na nossa santificação. Que uso
fizemos dele? Havia-nos dado toda a sorte de bens na ordem de natureza e na
ordem da graça. Que fruto tiramos deles? Tornamo-nos melhores? Ah! Quanto mal
cometido! Quanto bem omitido ou mal feito! Quantos abusos de graças! Grande
Deus! Quando a Vossa justiça puser em um prato da balança o mal que fiz contra
Vós, como o pouco bem que pratiquei, receio que me digais como a esse rei de
Babilônia: Foste pesado na balança (1), e o peso da minha glória
sobrepujou o peso dos vossos merecimentos. O único recurso que me resta, é
acumular durante o novo ano uma superabundância de bem, que compense a
superabundância de mal.
2.° Temos o presente a santificar. Ser-nos-á
preciso dar a Deus uma rigorosa conta de todos os momentos do presente ano.
Cada momento mal-empregado ou somente inútil se voltará contra nós. Oh! Se
reconhecêssemos o valor do dom de Deus!
3.° Temos o futuro a prever. E que mais incerto que este
futuro? Morrem na terra cerca de 76 pessoas cada minuto; 4.560 cada hora;
109.440 cada dia; quase 40 milhões cada ano. Não serei eu deste número durante
o ano que começa? Se o soubesse, quão bem viveria! Quanto me absteria de todo o
pecado! Quão santamente faria até as minhas menores obras! Quão pura
conservaria sempre a minha alma! A minha morte poderia ser repentina, sem
inconveniente, porque não seria imprevista. Por isso Santo Antão dizia aos seus
discípulos: Vivei cada dia, como se fosse o último da vossa vida; e São
Bernardo recomendava aos seus, que fizessem cada coisa, como se devessem morrer
logo depois (3).
Meios de passar santamente
este ano
1.° Devemos aplicar-nos a fazer bem as nossas obras ordinárias, até as mais comuns, que nada parecem aos olhos do mundo, isto é, a
fazê-las no tempo e da maneira que convém, a fazê-las para Deus, com veemente
desejo de Lhe agradar. A santidade consiste mais nisto do que nessas obras
extraordinárias, que por isso mesmo que são extraordinárias, são raras.
2.° Devemos tender sempre para viver melhor no momento presente do que
no instante que precedeu. Se erramos, é preciso, sem
nenhuma desanimação, reparar o mal passado fazendo bem o presente, Se se obrou
bem, é preciso forcejar por obrar ainda melhor. A verdadeira virtude nunca diz:
Basta. Nesta matéria, não avançar, é recuar. Sempre para diante, tal é a
senha; sempre subir, tal é a regra do justo (4).
3.° Devemos estudar o nosso vício dominante, e depois de o termos bem conhecido fazer-lhe todo o ano uma guerra
mortal, à força de vigilância, de exames de consciência, de boas confissões e
de fervorosas orações. Se cada ano, diz o autor da Imitação,
extirpássemos um vício, depressa seríamos perfeitos (5). Penetremo-nos bem
destes três meios de passar santamente o ano, e decidamo-nos a isto fortemente.
(Meditações para todos os dias do ano, Pe. Hamon)