[Atualmente temos acompanhado o quanto a mídia tem promovido a todo custo
uma mentira que lhes interessa. Querem promover o aborto, o “casamento gay”, a
eutanásia e tantas outras atrocidades a custa de argumentos falaciosos e de
propaganda massiva de que o padrão de moralidade cristã é retrogrado e ultrapassado.
E o cristão, que deve fazer diante disso tudo? O cristão deve anunciar
destemidamente a verdade! Apresentamos uma joia do magistério do Venerável
Paulo VI sobre o dever do cristão de anunciar corajosamente a verdade]
“Devemos repetir uma frase que pronunciamos no
Consistório (reunião dos Cardeais) de anteontem, porque Nos parece que é
importante, atual, e pode ser repetida também numa audiência geral como esta,
porque se destina a todos. É a seguinte: a
hora que soa no quadrante da história exige, efetivamente, de todos os filhos
da Igreja, uma grande coragem e, de modo muito especial, a coragem da verdade,
que o Senhor em pessoa recomendou aos seus discípulos, quando lhes disse: “Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim;
não, não; ...”(Mt 5, 37).
Este dever,
o de professar corajosamente a verdade, é tão importante, que o próprio Senhor
o definiu como a finalidade da sua vinda a este mundo. Diante de Pilatos, durante o processo que precedeu a
sua condenação à cruz, Jesus pronunciou estas graves palavras: “Para isto nasci e para isto vim ao mundo, a
fim de dar testemunho da verdade” (Jo 18, 37). Jesus é a luz do
mundo (cfr. .Jo 8, 12), é a manifestação da verdade; e, para
cumprir esta missão, que dá origem à nossa salvação, Jesus ofereceu a própria
vida, mártir da verdade que, afinal, é Ele mesmo.
Deste fato surgem duas questões. A primeira é a que
veio aos lábios do próprio Pilatos. Ele, talvez não ignaro, mas cético em
relação às discussões filosóficas da cultura greco-romana sobre a verdade, ele,
magistrado competente para julgar não teorias especulativas, mas delitos e
crimes, admira-se que este Rabi, que lhe tinha sido apresentado como réu de
morte, por crime de lesa majestade, se declare mestre da verdade; imediatamente
o interrompe e, talvez com certa ironia, pergunta: “Quid est veritas?”
— o que é a verdade? (Jo 18, 38). Houve quem, engenhosamente,
baseando-se nesta frase latina, construísse um estupendo anagrama como
resposta: “Est vir qui adest — é o homem que está aqui”. Mas
Pilatos não espera a resposta e procura concluir imediatamente o
interrogatório, resolvendo a questão judiciária. Para nós e para todos, porém,
a questão — o que é a verdade? — continua aberta.
É uma grande questão que abrange a consciência, os fatos,
a história, a ciência, a cultura, a filosofia, a teologia e a fé. A nós, porém,
interessa-nos este último ponto: a verdade da fé, porque é sobre ela que se
funda todo o edifício da Igreja, do cristianismo e, por isso, o da nossa
salvação e, consequentemente, o do destino do homem e da civilização à qual
está ligado. Hoje, mais do que nunca,
esta verdade da fé apresenta-se como a base fundamental sobre a qual devemos
construir a nossa vida. É a pedra angular (cfr. 1 Pdr 2,
6-7; Ef 2, 20; Mt 21, 42).
E que
verificamos a este respeito? Verificamos um fenômeno de timidez e de medo; mais
ainda, um fenómeno de incerteza, de ambiguidade e de cedimento. Foi bem identificado nesta frase: “Houve um tempo em que o respeito humano prejudicava tudo. Era uma
grande preocupação para os Pastores. O cristão não ousava viver segundo a
própria fé... Mas, agora, não se começa a ter medo de crer? Este é um mal
mais grave, porque danifica os fundamentos...” (Cardeal Garrone,Que faut-il
croire? Desclée, 1967).
Sentimos a obrigação, no final do ano da fé, de fazer,
na festa de São Pedro de 1968, uma explícita profissão de fé, de recitar um
Credo que, seguindo os autorizados ensinamentos da Igreja e da Tradição
autêntica, remonta ao testemunho apostólico que, por sua vez, se funda em Jesus
Cristo, Ele mesmo definido “testemunha
fiel” (Apoc 1, 5).
Mas, hoje, a
verdade está em crise. A verdade objetiva, que nos dá a posse cognoscitiva da
realidade, é substituída pela verdade subjetiva: a experiência, a consciência,
a livre opinião pessoal e, às vezes, até a crítica da nossa capacidade de
conhecer e de pensar validamente. A verdade filosófica cede o passo ao agnosticismo,
ao cepticismo e ao ‘esnobismo’ da dúvida sistemática e negativa. Há quem estude e investigue quase mais para demolir
do que para encontrar. Prefere-se o vazio. O Evangelho adverte-nos disto : “...os homens amaram mais as trevas do que a
luz...” (Jo3, 19). E, com a crise da verdade filosófica (onde está a
nossa sã racionalidade, a nossa filosofia perene?), a verdade religiosa desabou
em muitos espíritos, que já não sabiam admitir as grandes e luminosas
afirmações do conhecimento de Deus, da teologia natural e, muito menos, as da
teologia da revelação. E, assim, os olhos enevoaram-se e depois ficaram cegos.
E ousou-se trocar a própria cegueira com a morte de Deus.
A verdade
cristã, portanto, sofre atualmente perturbações e crises pavorosas.
Intolerante, em relação ao ensinamento do magistério instituído por Cristo,
como tutela e lógico desenvolvimento da sua doutrina, que é a de Deus
(cfr. Jo 7, 12; Lc 10, 16; Mc 16,
16), há quem procure uma fé cômoda, esvaziando a fé íntegra e verdadeira
daquelas verdades que não parecem aceitáveis à mentalidade moderna, e
escolhendo, por iniciativa própria, algumas verdades que são consideradas
admissíveis (selected faith);
há também quem procure uma nova fé, principalmente no que diz respeito à
Igreja, tentando adaptá-la às ideias da sociologia moderna e da história
profana (e assim repete o erro de outros tempos, modelando a estrutura canónica
da Igreja, segundo as instituições históricas vigentes); há ainda quem deseje confiar numa fé puramente naturalista e
filantrópica, numa fé utilitarista, ainda que baseada nos autênticos valores da
mesma fé — os da caridade —, tornando-a culto do homem e transcurando o seu
primeiro valor, o amor e o culto de Deus; há, por fim, quem, com uma certa
desconfiança das exigências dogmáticas da fé e com o pretexto do pluralismo,
que permite estudar as inexauríveis riquezas das verdades divinas e exprimi-las
com diversidade de linguagem e de mentalidade, queira legitimar as expressões
ambíguas e incertas da fé e limitar-se a procurá-la para não ter que a afirmar
e pedir a opinião dos fiéis, perguntando-lhes em que realidades querem crer e
atribuindo-lhes um indiscutível carisma de competência e de experiência, que
expõe a verdade da fé ao perigo das mais estranhas e volúveis arbitrariedades.
Tudo isto
verifica-se quando não se presta reverência ao magistério da Igreja, com que o
Senhor quis proteger as verdades da fé
(cfr. Hebr 13, 7; 9, 17).
Mas a nós,
que, por divina misericórdia, possuímos este “scudum fidei — escudo
da fé” (Ef 6, 16) ou, por outras palavras, uma verdade defendida,
segura e capaz de suportar o choque das opiniões impetuosas do mundo moderno
(cfr. Ef 4, 14), apresenta-se uma segunda questão, a da
coragem. Devemos ter, como dissemos, a coragem da verdade. Não vamos agora analisar esta virtude moral e
psicológica que chamamos coragem e que todos nós sabemos ser uma força da alma,
que significa maturidade humana, vigor de espírito, audácia de vontade e,
também, capacidade de amor e de sacrifício. Vamos fazer notar apenas, mais uma
vez, que a educação cristã se nos apresenta como um campo de treino das
energias espirituais, da nobreza humana, do domínio de si e da consciência dos
próprios deveres.
E acrescentamos que esta coragem da verdade é exigida, principalmente, de quem é mestre e
defensor da verdade, e se refere também a todos os cristãos batizados e
crismados. Não é um desporto agradável, mas uma profissão da fidelidade que
devemos a Cristo e à sua Igreja e, hoje, é um grande serviço prestado ao mundo
moderno que, talvez mais do que supomos, espera de cada um de nós este
testemunho benéfico e confortador. Para tanto vos ajude, com a graça do
Senhor, a Nossa Bênção Apostólica”.
[Venerável Paulo VI. Audiência Geral, 20.V. 1970]
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