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sexta-feira, 11 de outubro de 2013

[Esp] O sofrimento permitido por Deus: causa de nossa alegria

 Cristiano Falek

Recentemente, tenho pensado muito em algo: não sabemos sofrer e, mais tristemente ainda, muitas vezes não temos nem a mais remota intenção de aprender a sofrer. Pior: tampouco cremos ser isso uma necessidade imperiosa para nós. No entanto, Nosso Senhor disse no Evangelho: “Aquele que quer me seguir renuncie a si mesmo, tome sua cruz de cada dia e me siga” (Lc 9,23). A Cruz de cada dia! Eis uma expressão incômoda para os nossos tempos.

Se é possível que peçamos - nós que ingenuamente nos cremos fiéis - a graça de viver como Deus nos manda que vivamos, devemos desde logo aprender a sofrer, pois, em todos os momentos da vida, a promessa de felicidade está atrelada sempre à cruz: “Respondeu-lhe Jesus: Em verdade vos digo: ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do Evangelho que não receba, já neste século, cem vezes mais [...], com perseguições e no século vindouro a vida eterna” (Mc 10,29-30, grifo meu). Assim, é necessário, para o cristão, aprender a sofrer.

Aprender a sofrer, no entanto, não é como respirar ou como abrir os olhos que são coisas automáticas, não exigindo aprendizado. É necessário aprender a sofrer. Muitos dizem: ‘Ah, mas eu não quero sofrer. Eu não quero continuar sofrendo! Eu quero me ver livre do meu sofrimento!’. Ora, a resistência ao sofrimento sempre traz como resultado a fuga ou a deserção, atitudes que não coadunam com a fidelidade premiada pelo Senhor: “Sê fiel até a morte e te darei a coroa da vida” (Ap 2,10). A ninguém é desconhecido que: todos detestamos, por instinto, o sofrimento;  entretanto, o sofrer faz parte da vida de todos os homens. Peter Kreeft afirma no seu livro ‘Buscar sentido no sofrimento’ que todos os homens se enganam mutuamente crendo que o seu próximo não sofre nada. Vivemos sob a crença de que ‘a grama do vizinho é mais verde’, como diz o adágio popular. Nessa situação se incluem diversos irmãos e irmãs que enfrentam a dura batalha contra a AMS - e nós mesmos, se formos verdadeiramente sinceros conosco mesmos -; e imaginam(os) que amigos, parentes, vizinhos, etc. tenham uma vida menos sofrida que a deles ou a nossa. Um grave engano!

Friedrich Nietzsche pensava que seguir os ensinamentos das Bem-aventuranças seria admitir o fracasso como projeto de vida, pois Jesus encerra sua pregação falando sobre se alegrar diante das perseguições em seu nome, ou seja, de um sofrimento por causa do seu nome. Da mesma forma que pensava o filosofo alemão, muitos, diante dos infortúnios do dia a dia, são tentados a rejeitar essa parte incômoda da fé. Para eles, os sofrimentos do dia a dia denunciam o eclipse, senão, a ineficácia da Providência Divina e muitos destes ainda advogam que isso seria motivo para duvidar da existência de Deus. Como isso é sintomático!

Vivemos em extremos patológicos na espiritualidade católica - tempos de otimismo ou de pessimismo doentio – e, comumente, buscamos embasar nossa fé naquilo que nos traz consolo espiritual. Assim, “quase sem querer querendo”, como diria o Chaves (do seriado de TV), a ciência da cruz vai se apagando de nossos corações e toda a verdade a ela anexa também. Os resultados disso são vistos nas Igrejas neopentecostais, lotadas de pessoas que se deixam levar pelos enganosos jargões: “Pare de sofrer” ou “Deus te quer feliz”, pregados como verdade absoluta.  A verdade é que queremos estar unidos ao Cristo ressuscitado, mas sem necessariamente passar pela cruz.

Como é possível que nós, católicos, que sabemos que a vitória é o que vem depois da cruz, reneguemos o sofrimento da mesma maneira que o diabo foge da cruz? Muitos ainda pensam: não seria o cristianismo um fardo muito pesado, com suas cruzes e austeridades?

Apenas para ilustrar, lembro que a congregação Miles Christi usa uma interessante invocação que mistura uma aparente contradição. Eles invocam a Virgem Santíssima da seguinte forma: “Mater dolorosa, causa de nossa alegria”. Santa Teresinha chegava a dizer que amava o sofrimento. Como pode ser isso? 

Pois bem. É preciso compreender que o caminho de Cristo é o caminho estreito. Esse caminho pressupõe que o homem, sozinho, não pode fazer nada de bom. Para fazer algo de bom, o homem necessita da graça divina. Mais ainda, é necessário entender que a vida na graça de Deus é um trabalho a dois: meu e de Deus, mais dEle do que meu. Quando me faltam forças para caminhar, é Ele quem vai me levar adiante. Porém, para que isso se faça, é preciso que se tenha a disposição de se estar unido a Cristo; não somente ao Cristo triunfante do domingo de Páscoa, mas também ao Cristo que, “mesmo sendo de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz.” (Fp 2,6-9). É preciso ter claro na mente de que o caminho para a vitória com Cristo, para que se possa ser glorificado com Ele, passa pelo sofrimento, pois a condição para a vitória de Jesus se encontra no aparente fracasso da cruz.

Assim, sofrendo como Deus permite, ou seja, abraçando a nossa cruz de cada dia, poderemos experimentar o que disse Nosso Senhor ao apóstolo Paulo: “porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força” (2 Cor 12,9a). E possamos dizer como o apóstolo: “Portanto, prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo” (2 Cor 12,9b). Dessa forma, quando estivermos pregados na cruz de cada dia, suportando os sofrimentos por amor a Cristo, estaremos mais próximos da altura de Deus, bem mais próximos dEle, pois, como disse sabiamente o Papa Bento XVI, em homilia recente, “a altura da Cruz é a altura do amor de Deus”.

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