A MORTIFICAÇAO DO CORPO
O segundo meio que
Jesus nos propôs no Evangelho é a mortificação: o “jejum”. Com esta palavra os
mestres de espiritualidade sempre entenderam a mortificação do corpo e do
espírito; a Igreja também; ela, no prefácio da Quaresma, explicando os
benéficos efeitos do jejum, diz: “Reprime os vícios, alcança a virtude e
torna-se fonte de muitos merecimentos.” Comecemos pela mortificação do corpo.
Os santos de todos os
tempos sempre praticaram a mortificação corporal; não só os eremitas ou as
ordens penitentes; praticam-na também todas as pessoas que querem viver como
bons cristãos. O nosso corpo é como um cavalo desenfreado; ai se não lhe
pusermos o freio!... Claro, nas coisas graves devemos ser prudentes e pedir
conselho para não prejudicarmos a saúde, como também para não chocarmos a
demasiada sensibilidade; por outro lado, porém, não devemos pensar que sejam
coisas de antanho. Antes, até acho que são mais necessárias agora, porque os
estímulos que aliciam ao mal são maiores. Aqui, contudo, eu vos quero falar da
mortificação como meio para conservar a castidade. São Paulo afirmava: “Castigo
o meu corpo e o reduzo à escravidão; não suceda que, depois de pregar aos
outros, eu mesmo seja reprovado” (I Cor 9, 27). De fato, estas mortificações
subjugam a carne e a concupiscência. Querer tratar a carne com delicadeza e
pretender que não recalcitre, é tolice. “A carne tem desejos contrários ao
espírito e o espírito contrários à carne” (Gl 5, 17). Se um vence, o outro é
derrotado, e vice-versa.
Mortificação do gosto —
Tratando da mortificação dos sentidos em particular, devo dizer-vos que a gula
ataca a bela virtude com facilidade. As outras faltas de mortificação a
desfiguram; esta, porém, a põe em perigo, porque se insinua de maneira fácil e,
se não prestarmos atenção, concedemos-lhe muitas satisfações. A ação de comer
avilta o homem; apesar disso, muitas vezes, perdemos não pouco tempo falando e
pensando em comida; discorremos conosco mesmos se este ou aquele tipo de comida
nos fez ou nos fará bem, etc... Não, “não só de pão vive o homem” (Mt 4, 4).
Que a nossa mente, portanto, não se ocupe destas coisas, pois não trazem
nenhuma beleza à alma, antes, põem em perigo a sua candura.
Quantas penitências
praticava São Jerônimo em Belém! Apesar disto, as cenas que vira em Roma ainda
lhe afloravam na mente e o perturbavam. Para vencer tais tentações, jejuava
semanas a fio. Dubois conta que certo médico, competente e piedoso, costumava
dizer: “Eu acredito na castidade dos sacerdotes e fico edificado; mas quando
vejo que alguns são assíduos frequentadores de banquetes aos quais se convidam
mutuamente, ou são convidados por leigos, maravilho-me como possam manter-se
castos.” Portanto, é preciso mortificar-se no comer e no beber. O uso de
licores, além de prejudicial à saúde física, é forte estímulo à incontinência.
Assim o excesso de vinho. “O vinho leva à luxúria” (Ef 5,18).
Permiti-me agora que
vos diga o que penso por experiência: o vício da gula é mais acentuado nas
comunidades religiosas do que em casas particulares. O demônio tenta neste ponto para vencer em outros. Sem nos darmos conta da despesa de
alimentação, sob o pretexto de nos conservarmos sadios e robustos, comemos mais
que o necessário, procuramos coisas especiais e, quando doentes somos
incontentáveis. Que tristeza para os superiores ver certos indivíduos muito
preocupados com comida e nunca satisfeitos! Quanta “lenha” para o purgatório,
ou talvez para o inferno!
Comer para viver e
cumprir as próprias obrigações, não viver para comer. Não digo que se deva deixar
o necessário, isso não, mas é preciso praticar muitas pequenas mortificações,
como: contentar-se com o que oferecem, não fazer cara feia diante de comida não
bem preparada, não comer com avidez, nem mais que o necessário etc.; estas são
renúncias que passam desapercebidas, mas agradam muito a Nosso Senhor,
ajudam-nos a santificar a ação de comer e a conservar-nos castos. Não poucos,
por excesso de vinho, arruinaram-se espiritualmente. Felizes os missionários
que não o têm, ou têm pouco! Quero que useis dele o menos possível. Tomai-o,
sim, mas com moderação. Estas mortificações não prejudicam, antes, favorecem a
saúde. O nosso corpo se manterá sadio na medida em que formos sóbrios. Alguns
eremitas, apesar da penitência que praticavam, viveram cem anos e ainda mais!
Mortificação dos olhos
— Por amor à castidade devemos mortificar também os olhos: “a soberba dos olhos”
(1 Jo 2, 16). Quantos perigos, especialmente hoje, inclusive para vós nas missões,
se não soubermos mortificar os olhos! Jó fizera um pacto com os seus olhos de
não pensar em nenhuma mulher, nem mesmo virgem (Cf. Jó 31, 1). Notai o que diz:
“Fiz um pacto com os meus olhos para não pensar” Eis aí a intrínseca relação
dos olhos com a mente! É verdade que os olhos não pensam, mas são a porta da
imaginação, são as janelas por onde penetra o pensamento. É preciso pactuar com
o porteiro, para que não deixe entrar. Quem abre a porta ao ladrão, depois não
se queixe de tê-lo em casa. Direis: “Afinal de contas, o que é dar uma olhada?!”
Acontece que dos olhos ao pensamento, do pensamento ao desejo, do desejo à
ação, a passagem é muito fácil e rápida. Se quisermos gozar de tranquilidade interior,
devemos mortificar os olhos.
Não digo que devamos
nos enclausurar entre quatro paredes, ou caminhar de olhos fechados... Quero
que sejais desembaraçados, mas também modestos e mortificados. Não queirais ver
tudo, não sejais curiosos, pois acontece com frequência que, entre mil coisas
inócuas, amoita-se uma perigosa. Andando pela cidade, não é preciso olhar tudo:
cartazes, revistas, etc. É uma curiosidade morbosa. Como fica mal ver certos
padres postados diante das bancas de revistas e jornais! Dizem: “é só para dar
uma olhadela!” Não, não fica bem; não fica bem para leigos, muito menos para
sacerdotes. Às vezes, por causa de um olhar momentâneo, temos que aturar
tentações pelo resto da vida. A Condessa Radicati, cega há vinte anos,
dizia-me: “Não me compadeça; sou feliz porque tenho um perigo a menos de pecar.”
Esta mortificação é muito importante, pois, do contrário, não é preciso que o demônio
nos tente, nós mesmos nos tentamos.
Devemos mortificar os
olhos sobretudo perante pessoas de outro sexo; com todas, sem exceção de
virtude ou de parentesco. Todavia, entendamos bem: não se pode e não se deve
evitar as mulheres, que são criaturas como nós; e nas missões, como já vos
disse, deveis trabalhar juntos. Não gostaria que, por medo de ver uma freira,
cometêsseis exageros. De São Luís narra-se o seguinte: apesar de permanecer
longo tempo a serviço da rainha da Espanha como pajem, não sabia se era bonita
ou feia; conta-se também que era muito reservado em olhar para sua própria mãe.
São exemplos que não podeis seguir à risca, porém não devem ser ridicularizados.
O que deveis fazer é isto: não fixar no rosto, mas olhar com simplicidade, com
indiferença, como fazem as pessoas de olhos modestos. Ver sem olhar, olhar sem
fixar.
Os antigos, para não
ver, fechavam-se numa gruta do deserto; nós ao invés devemos conviver com o
povo; porém, cumpre-nos mortificar os olhos. Recordo-me da grande impressão que
me fazia o Padre Francésia, no Oratório de Dom Bosco: recebia e acompanhava a
mãe, mas conservando sempre os olhos baixos. Nós, perante tal atitude,
dizíamos: ‘’Que exagero!” Agora, porém, não falo mais assim, e lembro o fato em
sua honra.
A fim de adquirir este
domínio sobre os olhos é mister abster-se, algumas vezes (não digo sempre), de
olhar para coisas lícitas. É bem verdade que os santos, perante uma flor,
sabiam elevar-se até Deus, mas vez por outra pode-se deixar de olhar. Assim,
por exemplo, não se abster somente de olhar para pessoas de outro sexo, mas
também fazer o sacrifício de não olhar para um colega se não for necessário.
Afinal, sacrificar um olhar não é o fim do mundo! Fazei este esforço. Não quero
que vos crieis escrúpulos ou ponhais obrigações onde não for necessário, mas
quem sabe ser mortificado em coisas lícitas, saberá vencer-se mais facilmente
nas ilícitas. Quando se adquire o hábito da mortificação em coisas inócuas,
depois sabe-se frear os olhos com mais presteza perante coisas ilícitas ou
perigosas. Nosso Senhor, em paga desta generosidade, nos livrará de
perturbações, quando os nossos olhos derem com alguma coisa perigosa. Ele dirá:
“Fez o que não era de sua obrigação, por isso eu o ajudo no que é necessário.” Além
disso, livramo-nos do vão temor de ter consentido, porque, como poderia cometer
o ilícito se habitualmente me privo do que é lícito? Crede-me: quem se habitua
a isso não só se defende com mais facilidade, como também receberá grandes
consolações de Deus.
Mortificar o tato — “Nada
é tão perigoso como o sentido do tato” — afirma São João Clímaco. O nosso corpo
foi santificado no Batismo na Crisma e, para os sacerdotes, no sacramento da
Ordem; santificam-no ainda as numerosas comunhões que recebemos. Deus e o Anjo
da Guarda estão presentes, mesmo quando estamos a sós ou no escuro. À noite, ao
deitar, lembremo-nos da presença do Anjo custódio; não olhemos para os outros,
permaneçamos recolhidos, deitemo-nos com modéstia e compostura decente como se
devêssemos morrer naquela mesma noite e como gostaríamos ser encontrados depois
da morte.
No locutório deve-se
tratar as pessoas com delicadeza, não resta dúvida, mas sem expansividade
exagerada. No mais das vezes pode-se prescindir dos abraços e beijos. Não digo
que seja pecado beijar a mãe, mas procuremos não distribuir beijos com
demasiada facilidade... Também nisto há modo e modo; um santo teria certa
reserva.
São José Cafasso,
acordando-se durante a noite, levantava-se logo e não deitava mais, dizendo: “é
sinal de que o corpo repousou suficientemente.” Vós não podeis e não deveis
fazer isso; mas, quando custa pegar no sono, rezai, e não deis asas à fantasia.
Mais ainda: de manhã, ao ouvirdes o primeiro toque da campainha, deixai
prontamente a cama, sem favorecer a preguiça. Quem não se habitua a agir desta
forma com certeza não será casto. Os poucos minutos que concedemos à preguiça
pertencem ao diabo.
Evitai também o ócio,
ocupai-vos sempre. “A ociosidade ensina muita malícia” (Eclo 33, 29). Devemos
temer muito por aqueles jovens que não sabem se manter ocupados nem mesmo
durante o tempo do recreio. O ócio é pai dos vícios, e o vício da incontinência
é o primogênito de todos. Os santos sempre evitaram o ócio e amaram o trabalho,
inclusive os que se dedicavam de modo especial à oração. Quando se trabalha,
não sobra mais espaço para maus pensamentos. Felizes vós, que vos ocupais com o
trabalho manual! Trabalhar, portanto, não só por dever e obediência, por
espírito de pobreza, mas também para domar o corpo. Todavia, trabalhar com
moleza não subjuga a carne. Da mesma forma no estudo: manter a mente sempre
ocupada, aplicar-se de preferência às ciências sagradas. São Jerônimo declara: “Ama
o estudo da Sagrada Escritura e não amarás os vícios da carne”.
(A Vida Espiritual, do Beato José Allamano)
[Nota do Courage Brasil: quando é mencionada pessoa de outro sexo, basta adaptar, aos que tem AMS, para pessoa do mesmo sexo]
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por comentar nosso blog
Abaixo você tem disponível um espaço para partilhar conosco suas impressões sobre os textos do Apostolado Courage. Sinta-se à vontade para expressá-las, sempre com respeito ao próximo e desejando contribuir para o crescimento e edificação de todos.