A MORTIFICAÇÃO INTERNA
MORTIFICAÇAO DOS
SENTIDOS INTERNOS
A Imaginação é uma
inimiga terrível da castidade. É preciso ter o cuidado de mortificá-la, para
que não esvoace livremente. Sois jovens; e a vossa fantasia, em alguns mais em
outros menos, trabalha. Assemelha-se a um vulcão. Se não a enchemos de coisas
boas, expele bobagens. Tratemos de afastar prontamente qualquer pensamento ou
imaginação que possa, de qualquer forma, ferir a bela virtude. Uma imaginação
ardente e não domada pode ocasionar a ruína da castidade. Este é um ponto de
máxima importância.
Mas, para conseguir
isto, é mister mortificar os ouvidos, evitando a demasiada curiosidade, a
avidez de notícias. Mortificar a língua, evitando palavras grosseiras,
ambíguas, palavras que podem ter mau significado. Mortificar a curiosidade de
ler. Há indivíduos que devoram qualquer pedaço de jornal que lhes caia às mãos.
Coisa boba e prejudicial! Depois, evitar as leituras frívolas, leituras sem
nenhuma finalidade, inclusive romances bons, que Santa Teresa tanto se
arrependia de ter lido. Às vezes basta a leitura de um livro para desconcertar
a cabeça.
Vivamos de coisas
sérias; é com a seriedade que domamos a imaginação. Eu nunca tive tempo de ler
romances. Li apenas um no tempo da minha mocidade, durante as férias. Foram
meus irmãos estudantes que mo ofereceram: “Beatriz Cenci”, de Guerrazzi. Quando
retornei ao Oratório disse-o a Dom Bosco (eu lhe contava tudo); ele me passou
uma raspança das boas: “Queres esquentar a cabeça com romances?” — disse-me com
seriedade. Dispomos de tão pouco tempo, e o espaço da cabeça é tão limitado...
Por isso, cumpre-nos ocupa-lo bem. Tampouco devemos perder-nos atrás de certos
poetas, embora não sejam muito maus. Conheço pessoas que eram inocentes e se
arruinaram com tais leituras. Portanto, não ameis muito os poetas pagãos;
estudai-os em razão da língua e do estilo, mas com sentimentos cristãos, como
já explicamos. Certos versos de Horácio são muito lindos, mas é preciso
cristianizá-los. Leiamos, ao invés, a Sagrada Escritura. É um assunto sobre o
qual insisto muito e nunca insistirei demasiadamente. A palavra de Deus é
imaculada; ela purifica e virginiza os nossos corações e as nossas mentes.
Mortifiquemos também a
memória. Certas coisas da vida, certas misérias e circunstâncias é preciso
esquecê-las. Pensemos em santificar as nossas obrigações atuais. Deus e eu, nada
mais!
MORTIFICAÇÀO DO CORAÇAO
Sim, meus caros sejamos
castos de coração! Mas a castidade do coração tem suas grandes inimigas: as
amizades exclusivas. Estas, no seio das comunidades, são a ruína da caridade e
especialmente da castidade. As simpatias também são perigosas; revelam-se
sobretudo quando nos entretemos de preferência mais com uns do que com outros
por serem mais simpáticos, por se enquadrarem melhor com o nosso caráter, etc.
As simpatias, se não forem trancadas, acabam por degenerar em amizades
exclusivas. Não nego que haja amizades santas; estas porém, podemos conhece-las
da seguinte maneira: quando duas pessoas se encontram, falam de coisas
espirituais, corrigem-se mutuamente; além disso são aprovadas pelos superiores.
Os que alimentam amizades exclusivas não se aperfeiçoam; pelo contrário, fazem
coisas bem diferentes!...
Fora com estas coisas,
que são a peste das comunidades! Amar a todos sem distinção, dispensar a todos
o mesmo tratamento, sem fazer preferências. Todos somos feitos à imagem de Deus,
formamos todos uma única família, somos todos irmãos. Estas coisas aqui não
devem existir, e os superiores não as devem tolerar. Fora! Fora! Ou fora as
amizades exclusivas, ou fora os amigos!... E também nada de bilhetinhos... Se é
preciso dizer alguma coisa digamo-la a viva voz e em público.
Jamais me cansarei de
vos recomendar este cuidado. Examinai-vos constantemente sobre isto. No meu
tempo de colégio havia uma verdadeira guerra contra estas fragilidades; por
isso, sou eternamente grato. Permito-vos que traveis “amizade exclusiva”
somente com Nosso Senhor! Isto vo-lo permito e ordeno. Com Nosso Senhor não há
perigo de cometer excessos. “Amando-o, serei casta!” (Santa Inês). Para
rompermos tal relação de amizade exclusiva, não digo que nos devamos afastar de
vez daquele colega. Sim, podemos permanecer em sua companhia, especialmente se
obediência ou a necessidade o exigem, mas tratemo-lo como todos os demais; e se
a escolha depender de nós, prefiramos os outros àquele.
MORTIFICAÇÃO DO
ESPÍRITO
Mortificar o espírito
significa: mortificar o orgulho e a soberba mediante a prática da humildade. A
soberba do corpo, ou seja, a impureza, e a soberba do espírito são duas irmãs:
uma arrasta necessariamente consigo também a outra, porque Deus humilha na
carne quem se exalta no espírito. Quem não é humilde, cedo ou tarde deixará de
ser casto.
Tivemos disto um
exemplo terrível na França, em meados do século passado, quando certo frade de
nome Jacinto, depois de pregar e alcançar grande sucesso nos principais
púlpitos da nação, caiu miseravelmente nos laços que lhe armou uma mulher
convertida por ele ao catolicismo; e com escândalo geral, apóstata obstinado,
tentou reerguer em Paris o extinto galicanismo. Já aludi ao tristemente célebre
Rômulo Murri, ex-padre, que causou graves preocupações à Igreja. Soberbo,
elegeu-se deputado e acabou... casando-se. Quando há soberba, o desfecho é
sempre este. Fato semelhante aconteceu com um certo Ferreri, aqui em Turim:
pregava, confessava, era correspondente do jornal “Buona Settimana”; chegou até
a concorrer com o Cônego Soldati ao cargo de diretor espiritual do seminário e
depois acabou por fugir com uma penitente sua, levando vida secular, pobre,
infeliz! Ai de quem não é humilde! “Quem julga estar de pé, cuide de não cair”
(1 Cor 10, 12).
Ouçamos São Bernardo;
este santo nos diz que devemos merecer a graça da castidade com a virtude da
humildade. São Francisco de Sales: “A castidade sem humildade é vaidade!” Devemos
ser humildes; não nos julguemos mais esclarecidos que os outros, que os
superiores. Sejamos humildes e desconfiemos de nós mesmos, como se estivéssemos
sempre ladeando um precipício. Guiemo-nos por esta máxima: um ato de humildade
hoje, para sermos castos amanhã. Humilhemo-nos, humilhemo-nos; e Deus, que
concede sua graça aos humildes, nos dará a força de perseverar na castidade.
(A Vida Espiritual, do Beato José Allamano)
[Nota do Courage Brasil: quando é mencionada pessoa de outro sexo, basta adaptar, aos que tem AMS, para pessoa do mesmo sexo]
(Adendo: quanto às amizades particulares, o autor está falando das comunidades religiosas. Para as pessoas que vivem no mundo, ouçamos nosso padroeiro, São Francisco de Sales:
Hás de ouvir talvez que
não se deve consagrar afeto particular ou amizade a ninguém, porque isto ocupa
por demais o coração, distrai o espírito e causa ciúmes; mas é um mau conselho,
porque, se muitos autores sábios e santos ensinam que as amizades particulares
são muito nocivas aos religiosos, não podemos, no entanto, aplicar o mesmo
princípio a pessoas que vivem no século — e há aqui uma grande diferença.
Num mosteiro onde há
fervor, todos visam o mesmo fim, que é a perfeição do seu estado, e por isso a manutenção das amizades particulares não pode ser tolerada aí, para precaver
que, procurando alguns em particular o que é comum a todos, passem das
particularidades aos partidos.
Mas, no mundo, é
necessário que aqueles que se entregam à prática da virtude se unam por uma
santa amizade, para mutuamente se animarem e conservarem nesses santos
exercícios. Na religião os caminhos Deus são fáceis e planos, e os que aí vivem
se assemelham a viajantes que caminham numa bela planície, sem necessitar de pedir
a mão em auxílio. Mas os que vivem no século, onde há tantas dificuldades a vencer
para ir a Deus, se parecem com os viajantes que andam por caminhos difíceis,
escabrosos e escorregadiços, precisando sustentar-se uns nos outros para
caminhar com mais segurança.
Não, no mundo nem todos
têm o mesmo fim e o mesmo espírito, e daí vem a necessidade desses laços
particulares que o Espírito Santo forma e conserva nos corações que lhe querem
ser fiéis. Concedo que esta particularidade forme um partido, mas é um partido
santo, que somente separa o bem do mal, as ovelhas das cabras, as abelhas dos
zangões, separação esta que é absolutamente necessária.
Em verdade, não se pode
negar que Nosso Senhor amava com um amor mais terno e especial a S. João, a
Marta, a Madalena e a Lázaro, seu irmão, pois que o Evangelho o dá a entender
claramente. Sabe-se que S. Pedro amava ternamente a S. Marcos e a Santa
Petronila, como S. Paulo ao seu querido Timóteo e a Santa Tecla.
S. Gregório Nazianzeno,
amigo de São Basílio, fala com muito prazer e ufania de sua íntima amizade,
descrevendo-a do modo seguinte: parecia que em nós havia uma só alma, para
animar os nossos corpos, e que não se devia mais crer nos que dizem que uma
coisa é em si mesma tudo quanto é e não numa outra; estávamos, pois, ambos em
um de nós e um no outro, uma única e a mesma vontade nos unia em nossos propósitos
de cultivar a virtude, de conformar toda a nossa vida com a esperança do céu,
trabalhando ambos unidos como uma só pessoa, para sair, já antes de morrer,
desta terra perecedora.
Santo Agostinho
testemunha que Santo Ambrósio amava a Santa Mônica unicamente devido às raras
virtudes que via nela e que a mesma estimava este santo prelado como um anjo de
Deus.
Mas para que deter-te
tanto tempo numa coisa tão clara? S. Jerônimo, Santo Agostinho, S. Gregório, S.
Bernardo e todos os grandes servos de Deus tiveram amizades particulares, sem
dano algum para a sua santidade.
S. Paulo, repreendendo
os pagãos pela corrupção de suas vidas, acusa-os de gente sem afeto, isto é,
sem amizade de qualidade alguma. Santo Tomás reconhecia, com todos os bons
filósofos, que a amizade é uma virtude, e entende a amizade particular, porque
diz expressamente que a verdadeira amizade não pode se estender a muitas
pessoas.
A perfeição, portanto,
não consiste em não ter nenhuma amizade, mas em não ter nenhuma que não seja
boa e santa.)
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