“A revelação, e ao mesmo tempo a
descoberta original do significado ‘esponsal’ do corpo, consistem em apresentar
o ser humano, homem e mulher, em toda a realidade e verdade do seu corpo e sexo
(“estavam nus”) e ao mesmo tempo na plena liberdade de qualquer constrição do
corpo e do sexo. Disto parece dar testemunho a nudez dos que foram nossos
primeiros pais, interiormente livres de vergonha. Pode-se dizer que, embora criados pelo Amor, isto é, dotados
no próprio ser de masculinidade e feminilidade, ambos estão ‘nus’ porque estão livres com a liberdade mesma do dom. Esta
liberdade está precisamente na base do significado esponsal do corpo. O corpo humano, com o seu sexo, e a sua
masculinidade e feminilidade, visto no mistério mesmo da criação, é não só
fonte de fecundidade e de procriação, como em toda a ordem natural, mas encerra
desde ‘o princípio’ o atributo ‘esponsal’, isto é, a capacidade de exprimir o amor: exatamente
aquele amor em que o homem-pessoa se torna dom e — mediante este dom — pratica o
sentido mesmo do seu ser e existir. Recordamos agora o texto do último
Concílio, onde se declara que o homem é a única criatura no mundo visível que
Deus quis “por si mesma”, acrescentando que este homem “não se pode encontrar
plenamente a não ser no sincero dom de si mesmo”[1].
A raiz da nudez original isenta de vergonha, da qual nos fala Gênesis 2, 25, deve-se procurar precisamente naquela verdade completa sobre o homem.
Homem e mulher, no contexto do seu ‘princípio’
beatificante, estão livres com a mesma liberdade do dom. De fato, para poderem
manter-se na relação do “dom sincero de si” e para se tornarem um tal dom um
para o outro, através de toda a sua humanidade feita de feminilidade e
masculinidade (também em relação com aquela perspectiva de que fala Gênesis
2, 24), eles devem estar livres precisamente desta maneira. Entendemos aqui a liberdade sobretudo como domínio de si mesmos (autodomínio).
Sob este aspecto, ela é indispensável para que o homem possa “dar a sua
pessoa”, para poder
tornar-se dom, para (referindo-nos às palavras do Concílio) poder “encontrar-se plenamente” por meio de
um “dom sincero de si”. Assim, as palavras “estavam ambos nus mas não
sentiam vergonha” podem e devem entender-se como revelação - e ao mesmo tempo
descoberta — da liberdade, que torna possível e qualifica o sentido ‘esponsal’
do corpo”.
[beato João Paulo II, Alocução ‘L’uomo-persona diventa’, 16.X.1980].
[1]
“Mais
ainda, quando o Senhor Jesus pede ao Pai “que todos sejam um” (Jo. 17, 21-22), sugere abrindo perspectivas
inacessíveis à razão humana — que há certa analogia entre a união das pessoas
divinas entre si e a união dos filhos de Deus na verdade e na caridade. Esta
semelhança torna manifesto que o homem, única criatura sobre a terra a ser
querida por Deus por si mesma, não se pode encontrar plenamente a não ser no
sincero dom de si mesmo” (Gaudium et Spes § 24).
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