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sexta-feira, 20 de setembro de 2013

[AC] Conversa sobre a aceitação de si mesmo

Matias Rimont

Escrevo este texto dirigindo-me aos homens católicos que sentem atração pelo mesmo sexo. Antecipo-me, então, em pedir perdão às minhas irmãs, mulheres, pela falta de referência a elas e de contextualização própria para elas. É do meu interesse escrever em breve para as filhas de Nossa Senhora, a Virgem Maria. No mais, convido-as a ler o que escrevi para nossos irmãos de cruz e vejam se há alguma semelhança, se são dramas comuns. Ao final, espero que valha de ajuda para todos, de algum jeito.    

O caso é que, recentemente, conversei com um amigo e ele me falou sobre seu descontentamento com o próprio corpo. Reclamou do seu peso, da falta de ter um corpo assim bem esculpido e luminoso como os dos modelos, da caspa, da oleosidade da sua pele, dos dentes "tortinhos assim", das espinhas e das cicatrizes deixadas por elas, das suas unhas roídas, e a lista pareceu interminável. Ele me confessou não gostar das suas roupas, do seu corte de cabelo, da sua letra (a forma como escrevia) e aí chegou ao item que mais detestava: sua voz! "Pareço uma 'drag queen'!" - exclamou desconsolado. 

Várias vezes tive de conter o riso diante daquele drama todo. Mas, de fato, meu amigo parecia estar angustiado. O seu corpo e a sua aparência o incomodavam muito, de verdade. A certa altura, muito envergonhado, disse-me que, nos dias mais críticos, quando se sentia o sapo do brejo no meio da multidão, ele cedia facilmente à pornografia. 

Na fotos e nos vídeos daqueles homens "perfeitos", ele tinha a ilusão de lhes receber a atenção, e até cortejo, e chegava a esquecer-se das suas inseguranças. Afinal, se eles são bonitos e me vêem, eu devo ser bonito como eles. O problema é que, depois de passados aqueles momentos de adulação virtual e fantasiosa, ele voltava à realidade com suas imperfeições, mas agora com o adicional do pecado contra a castidade. Ao menos, meu amigo mostrou-se bem ciente que o problema não estava na moral sexual ensinada por Deus e pela Igreja. O problema estava em não conseguir aceitar-se, em especial aceitar seu corpo com as imperfeições e tudo mais.  

Depois de ouvi-lo, busquei lhe chamar a atenção para o fato de que, em primeiro lugar, ele estava alimentando um ciclo vicioso. Toda vez que ele se refugiava no harém virtual da beleza inalcançável, ele apenas alimentava sua insegurança e sua insatisfação. E ele não precisava recorrer à pornografia para fazer isso, bastava continuar a se expor cotidianamente às propagandas de "outdoor", aos comerciais de perfume - que ele tanto gosta -, às seções de roupa íntima nas lojas, aos filmes ou muito erótico-românticos ou muito nudista-violentos, que ele conseguiria manter-se se sentindo um patinho feio. O primeiro conselho que dei foi: guarde a vista. A verdade é que você não precisa ver nada daquilo. Não precisa de pornografia, não precisa de homens descamisados para saber se um produto é bom ou não (ou se tem necessidade de comprá-lo) e não precisa assistir certos filmes para se entreter.

Se a insegurança e a insatisfação consigo mesmo são pólvora em farta quantidade, a guarda da vista é a precaução para evitar a primeira fagulha que antecipa a explosão. 

Mas, também, a guarda da vista dá a condição propícia para a meditação sobre a beleza. Depois de algum tempo se desintoxicando daquelas imagens apelativas, disse a meu amigo, é possível pôr a cabeça em ordem, ter um pouco mais de paz e refletir sobre o que significa aquele "padrão de beleza". 

Contei-lhe, então, uma conversa que tive com um cabeleireiro - ao leitor curioso, adianto em dizer que não, o cabeleireiro não é gay. Na conversa, eu pedi a ele que cortasse meu cabelo de uma forma diferente. Eu tentei explicar o que eu queria sem muito sucesso e foi quando aquele profissional me explicou que, para todos os efeitos, os cortes que eu imaginava não eram resultado apenas de algumas tesouradas, mas envolviam uso de produtos, aparelhos (como secador e chapinha), tratamentos químicos e, inclusive, o tipo de cabelo. Muita complicação e frescura, confesso. Mas, com aquela explicação, eu entendi que aqueles penteados super legais que eu via na televisão, nas fotos e nos filmes, não eram simples privilégios naturais concedidos a alguns poucos, mas eram fabricações bem artificiais, que custavam dinheiro e tempo e que não duravam sempre (talvez algumas horas). Expliquei isso ao meu amigo, que a beleza que ele via, e que todos vemos, estampada nas mídias é uma beleza mantida à base de muito dinheiro, técnica, produtos, jogo de luz e edição. E isso era mais feroz na pornografia. No fundo, meu amigo tinha um "padrão de beleza" que era tão factível como os elfos de Senhor dos Anéis.

Foi, então, que eu disse ao meu amigo que, depois de conhecer a falsidade daquela beleza, ele precisava aceitar o corpo que ele tem. Seu corpo transpira, fica cansado, tem pele oleosa, não tem músculos definidos, se machuca e fica doente, mas é seu corpo! "Você precisa fazer as pazes com seu corpo e trabalhar junto com ele para glorificar a Deus!" - eu lhe disse. A verdade é que nós não somos deuses, feitos de uma matéria incorruptível e dotados de uma beleza inefável. Não somos Apolos, embora nos portemos como Narcisos. Nós temos um potencial de beleza que é próprio, proporcional à nossa individualidade - já que Deus nos criou diferentes uns dos outros e é razoável que a beleza do corpo difira de um para outro. E esse potencial pode deixar de se realizar se nós formos desleixados ( e não é que existem alguns que não tomam banho direito, que não se vestem com modéstia, que não penteiam cabelo, que não escovam os dentes, que, enfim, não cuidam do próprio corpo?) e, realizando-o ou não, ele está sujeito a se corromper com o tempo. 

Ficaremos velhos e a beleza juvenil passará, e não precisamos ficar aterrorizados com isso. A vida é assim: cada coisa tem seu tempo e sua finalidade. Nós sabemos, e não é mistério para a ciência natural, que a beleza do corpo serve para atrair atenção do sexo oposto, seduzir, conquistar e firmar uma união esponsal - que nós como humanos e cristãos celebramos com o casamento. Sabemos também que, apesar de existir a beleza padrão - muito bem retratada pela arte clássica -, acontece de a beleza mais modesta atrair mais a uns do que a beleza exuberante. Desse modo, não precisamos cair em ilusões sobre o assunto. Não precisamos também abraçar aquele discurso insosso de que não existe gente mais bonita do que outra, todos são bonitos e a beleza, como conceito e padrão, é uma mera invenção imposta pela elite burguesa para tornar miserável a vida dos outros. 

Há beleza e há pessoas mais bonitas do que outras. O ponto é que nem meu amigo, nem eu, nem ninguém precisa sentir inveja dos outros, se eles são mais bonitos, mais inteligentes, mais ricos, mais atléticos, etc. Pois ser como os outros não é ser como eu mesmo. A verdade é que, além do que diz a sabedoria popular "a grama do vizinho sempre parece mais verde", também acontece de, buscando ser como o outro - "aquele modelo de perfeição material" -, nós nos sentimos traídos e insatisfeitos. Afinal, nós rejeitamos a realidade de nosso corpo e de nossa condição. Dissemos, mesmo que em silêncio: "Eu não quero ser eu". 

Considerando essas verdades, eu disse a meu amigo que a próxima atitude a tomar era cuidar-se para ter um corpo de boa aparência, mas de acordo com consigo mesmo, sem extravagância, rejeição ou violência contra si mesmo. Estava a seu alcance usar um shampoo para controlar a caspa, ter uma dieta balanceada, tomar banho com mais frequência, usar roupas limpas e modestas - e que estivessem de acordo com sua idade e com a modéstia masculina -, usar pomada ou gel para pentear-se, escovar os dentes, ir ao dentista e ao fonoaudiólogo (para cuidar da voz) e etc. Esse cuidado é bom na medida em que você mostra respeito a si mesmo, ao seu corpo que é templo do Espírito Santo e aos outros, também. Andar desarrumado e desleixado é, eu lhe disse, sinal de falta de respeito consigo mesmo e com os outros. 

Imagine, chamei-lhe a atenção, a satisfação que você dá a um amigo quando está bem arrumado para falar com ele. Ele se sente respeitado, porque alguém se preparou e se apresentou a ele com dignidade, mostrando de certo modo que reconhece seu valor. Mas e quando acontece o contrário? Se você se apresenta com cabelos despenteados, fedendo, dentes sujos, roupas indecentes, seu amigo se sentirá desconfortável e ofendido. Certamente ele ficará preocupado com você - ele entenderá tudo aquilo como sinal de que alguma coisa não vai bem com você -, mas ao mesmo tempo ele receberá o impacto daquela visão como se fosse uma agressão, mesmo que visual, e se entristecerá com a mensagem, enviada por você, de que você valoriza a si mesmo nem a a ele.    

Evidentemente não é bom cair na preocupação exagerada com a aparência, muito menos reduzir seu comportamento a fórmulas forçadas de etiqueta e vestuário. Cuidar do corpo e da aparência deve estar ordenado a glória de Deus e deve estar acompanhado da aceitação de si mesmo e da expressão dos nossos valores cristãos e da criação de Deus que somos. O quanto pudermos é bom descomplicar, ser simples e com gestos naturais (sinceros e habituais). Quando agimos assim, realizamos quem somos - adquirimos segurança - e contagiamos a outros. Haverá um brilho em nós que chamará a atenção das pessoas para Deus. Sobre isso, ainda devo dizer mais algumas palavras. Mas antes preciso relatar uma das interrogações mais intrigantes do meu amigo. 

Ele me perguntou se valeria a pena fazer musculação. Seguindo o exemplo de Nosso Senhor, eu devolvi a pergunta com outra, para testar a real motivação dele: "Afinal, o que você espera conseguir fazendo isso?". Calou-se por um tempo, ensaiou dizer que a razão era para se sentir mais másculo - com um corpo mais masculino -, tergiversou e, depois de algum tempo, vendo que suas tentativas de mascarar a real intenção não conseguiam enganar nem a mim nem a ele, ele admitiu muito envergonhado: "Quero ser atraente para que outros reparem em mim". Batata! Parabenizei meu amigo pela conquista da sinceridade. Ele sabia que podia encerrar o assunto comigo, assumir uma justificativa qualquer e conseguir validação para frequentar uma academia e ganhar aquele corpo escultural das suas fantasias. Mas ele foi corajoso e, mesmo demorando, encarou a verdade sobre o que ele via ser claramente a sua motivação. Ele queria ter um corpo bonito para receber a atenção e as cantadas dos homens homossexuais. É óbvio que, com uma motivação dessa, ele estaria na contramão de viver castamente. Lá estavam a vaidade e a malícia. Fazia companhia a elas a carência. Eita carência!

Reconhecendo tudo isso sozinho, meu amigo acabou convencendo-se por si só de que não era bom seguir com aquele projeto. Eu apenas lhe lembrei duas coisas. 

Primeiro, que atualmente fazer musculação é muito arriscado para quem sente atração pelo mesmo sexo e quer viver castamente, segundo o ensino moral de Deus e da Igreja. Pois todos sabemos que as academias se converteram em pontos de "voyeurs" (homens que ficam observando outros homens) e de "caçada" (busca de 'parceiros sexuais' em potencial). Além do mais, para que ele queria ser atraente? Perguntei se ele pretendia algum dia casar-se com uma mulher e constituir uma família, ao que ele respondeu que não, queria ser celibatário. Nem precisei desenvolver muito o argumento. Assim que ele disse isso, deu-se conta de que era um despropósito "embonitar-se" para ser atraente, sexualmente falando, sem a intenção de ser atraente para mulheres e sem a intenção de casar-se com uma para constituir família. Nessa situação, se fosse para fazer atividade física, faria mais sentido fazer preocupando-se com a saúde.    

Segundo, lembrei-lhe que ele, meu amigo, podia fazer atividade física de outras maneiras (praticando esporte, fazendo caminhada, fazendo exercícios físicos em casa mesmo, etc). Busquei tranquilizá-lo também no sentido de não cair em paranóias, por exemplo de evitar toda atividade com outros homens pelo medo de ali estar algum mal intencionado, mas disse-lhe que bastava da parte dele saber quais eram as suas reais intenções, combater as más e seguir as boas, e evitar se expor a riscos desnecessários. Fundamentalmente ele devia fugir da vaidade e da malícia. 

Por fim, ao fim de nossa conversa, eu deixei propositalmente para aquele momento minha advertência eminentemente espiritual: que ele deveria muito mais se ocupar em embelezar sua vida com virtudes ao invés de dar destaque a cortes de cabelo, músculos definidos e dentes certinhos e branquinhos. O mundo de hoje tem a audácia maledicente de dizer que "as pessoas se espiritualizam porque o corpo já era", querendo dizer que viver virtuosamente nada mais significa do que fuga. Mas isso é falso. Rapidamente conseguimos notar isso conferindo a história dos santos. 

Muitos santos são conhecidos por sua beleza física quando jovens (Santa Inês, Santa Luzia, Santa Maria Goretti, São Luiz Gonzaga) e, apesar disso, viviam virtuosamente, e muitos santos que nem eram muito bonitos, atraiam a atenção e admiração dos outros porque, por suas virtudes heróicas, tinham um aspecto muitíssimo belo, com um brilho que as pessoas não sabiam explicar de onde vinha - mas que nós cremos provir de Deus. Os santos nos ensinam com suas vidas aquele justo desprezo pelas coisas deste mundo, incluindo a beleza do corpo. Eles aceitavam a realidade dos fatos, aceitavam-se a si mesmos como criações de Deus e, assim, deixavam que sua fé iluminasse a vida e mostrasse o sentido e a proporção das coisas, revelando a beleza da obra divina. Mais do que isso eles buscaram os verdadeiros ornamentos que embelezam a alma e que são agradáveis a Deus: a fé, a esperança, a caridade, a justiça, a prudência, a temperança, a fortaleza, a paciência, a generosidade, a castidade, a prontidão, a diligência, a misericórdia.

Como cristãos nós cremos que Deus criou tudo com muita beleza. Aceitar-se a si mesmo é aceitar a criação de Deus que nós somos. Aceitar o corpo que temos é aceitar que somos seres materiais - que não somos anjos - e que esta matéria é frágil, possui limitações e precisamos aprender a respeitá-las, cuidando do nosso corpo. Aceitar o corpo é aceitar que somos seres sexuados. Quando se é homem, tem-se um corpo masculino e isso faz parte do seu ser. Por fim, aceitar-se significa crer na realidade espiritual que nosso corpo esconde e, por isso, sua alta dignidade. Ele é morada de nossa alma imortal, é templo de adoração a Deus, assim como nos ensina São Paulo, e é um sacrário criado por Deus para receber o Corpo e o Sangue de Seu Filho Unigênito. Um dia nosso corpo morrerá e retornará ao pó. Como me disse um padre muito sábio em tom de severa advertência: "Nossos corpos serão comida dos vermes". Eis um balde de água fria - de realidade! - sobre nossa vaidade. Mas, ao mesmo tempo, aquele padre me lembrou: "Mas nos recordemos sempre que ressuscitaremos e receberemos de Deus um corpo glorioso, e ele resplandecerá a grandeza das nossas virtudes que agora cultivamos e que permanecem ocultas". 

Partilhando com vocês o episódio da conversa com meu amigo e as meditações que tiramos dela, espero ajudar vocês, meus irmãos, a enfrentar o desafio de aceitar-se a si mesmo e, de modo especial, de aceitar o próprio corpo e sua beleza. Escrevam-nos, a nós da equipe do Apostolado Coragem no Brasil, se ainda tiverem dúvidas a respeito disso. Com muita satisfação, tornaremos a escrever ou publicar textos sobre o assunto. 

Que Maria, a criatura mais bela do Senhor, plena da graça, interceda por nós.

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