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sexta-feira, 25 de setembro de 2015

[FH] Considerações sobre a Verdade


[Costumeiramente recebemos comentários e alegações de que o que estamos propondo está ultrapassado e que o Papa vai mudar a doutrina deixada por Cristo para a Igreja. Há pouco, as Edições Loyola, infelizmente, lançaram um livro sobre homossexualidade em que o autor (um padre) deixa a entender que é essa a proposta: a mudança da doutrina da Igreja no que se refere às relações entre pessoas do mesmo sexo. Todavia, há uma frase famosa de G.K. Chesterton que diz: “O errado é errado mesmo que todo mundo esteja fazendo e o certo é o certo ainda que ninguém esteja fazendo”. Ou seja, a verdade não se estabelece por maioria, por moda, por disposição de sentimentos ou de caráter, ela é por si mesma algo certo e imperecível.

O texto a seguir,  um excerto do livro do Irmão Jean-Dominique, O.P. chamado 'A verdade', traz considerações sobre "o que é verdade". Pilatos, interrogando a Cristo fez-lhe essa pergunta: "O que é a verdade?" (Jo 18,28). Jesus permanece em silêncio. Em Seu silêncio estava a resposta: Ele mesmo, o Cristo, é a Verdade, conforme havia dito: “Eu sou o caminho, a VERDADE e a vida” (Jo 14,6).

Jacques Maritain, no seu livro 'O camponês do Garona' afirma: “Se não amarmos a verdade, não somos homens. E amar a verdade é amá-la acima de tudo, porque a Verdade, bem o sabemos, é o próprio Deus”. Portanto, devemos amar e viver na verdade, ainda que isto nos custe a vida, pois viver na verdade é viver em Deus.  Boa leitura! ]


I – SINCERIDADE E VERDADE


“O que conta é estar bem consigo mesmo… estar de acordo com a sua consciência… ser feliz como se é… dizer o que se pensa… o que vale é a espontaneidade da palavra ou do gesto.”

Essas reflexões voltam, freqüentemente, aos lábios dos nossos contemporâneos. Elas desenvolvem uma mesma idéia: é a sinceridade que faz a verdade. Estar na verdade consiste, então, em estar conforme a uma coerência interior, em não encontrar nenhum obstáculo, nenhuma dúvida no desenvolvimento da nossa vida psicológica.

A primeira resposta que podemos dar a essa opinião é constatar que os asilos estão cheios de pessoas coerentes consigo mesmas, que seguem sua consciência. Pode-se até pensar que os maiores inimigos da humanidade, como Herodes ou Stalin, tenham sido homens sinceros. Esse critério de verdade é, pois, muito fraco!

Isso aparece ainda mais claramente se nos reportarmos à definição de verdade. Limitar a verdade à sinceridade é negar um dos termos da “adequação”. A verdade deixa de ser a conformidade com a coisa real que ela conhece. É fazer do conhecimento como que um jogo solitário. Para que haja verdade é preciso uma comparação, um contato com o real. É o que expressou Aristóteles: “Tu não és branco porque julgamos que sejas branco, mas, ao contrário, julgamos que és branco porque o és na realidade. Donde é manifesto que é a disposição da coisa (aquilo que a coisa é em si mesma) que é a causa da verdade do pensamento e da palavra…” Não se pode expressar melhor o caráter objetivo da verdade. Voltaremos ao assunto no Artigo 3º.

II — MAIORIA E VERDADE.

A primeira opinião a que respondemos destruiria a verdade limitando-a à conformidade de um homem consigo mesmo.

A segunda que se nos apresenta faz consistir a verdade na conformidade com a opinião da multidão. O que diz a maioria das pessoas, “o que se diz”, “o que pensa a opinião pública”, os produtos do sufrágio universal, ou até “aquilo que se diz na televisão”, aí estão os critérios da verdade de muitos dos nossos contemporâneos.

O mal é mais grave ainda, quando assistimos, simplesmente, a uma demissão da inteligência. Como a opinião anterior, esta não só não dá conta do objeto real por conhecer, mas, em acréscimo, destrói o próprio sujeito, interditando-lhe sua atividade própria de apreensão imediata do real, de raciocínio, de verificação. Ela se afasta ainda mais da definição da verdade.

Reconheçamos, da mesma maneira, que em certos casos, supondo que os homens sejam direitos e bem-informados, o que foi crido por todos, e por toda a parte, tem certa chance de ser verdadeiro. Porém esse acordo universal não é mais que um indício de verdade, não é um critério absoluto.

III – POSSE DA VERDADE: ORGULHO OU HUMILDADE?

A terceira opinião toma a forma de reprovação freqüentemente dirigida às testemunhas da verdade: Dizeis ter a verdade? Que orgulho! Que autosuficiência! Filósofos bem mais inteligentes que vós têm sabido reconhecer seus limites. Ademais, as constantes controvérsias entre os homens bem provam a inanidade da vossa pretensão. Valeis mais que os outros? A isto respondemos: sim e não.

Sim, é orgulho pretender ter a verdade, se nós mesmos a fazemos. Sim, é orgulhosa a inteligência que deseja ser a regra da verdade, e que se esforça por construí-la. Veremos nos artigos seguintes que esse é, precisamente, o erro fundamental dos filósofos contemporâneos. Citemos, a título de exemplo, Jan Jaurès (1859-1914), mestre do pensamento daqueles que nos governam: “Toda verdade que não vem de nós é uma mentira. Se o próprio Deus aparecesse diante das multidões de forma palpável, o primeiro dever do homem seria recusar obediência, e considerá-lo como a um igual com quem discute, e não como a mestre que o tivesse submetido”.

Ao contrário, a definição da verdade que resgatamos mostra-nos o estado de total dependência da inteligência em face do real. Longe de ser uma marca de orgulho, a posse da verdade é, portanto, a marca de certa humildade. É o sinal de que a inteligência soube deixar–se gravar e ser informada.

É um sinal muito importante que nos impede de seguir por caminho falso.

A inteligência não aborda a verdade como um superior. Aproxima-se como um mendigo, um inferior. A inteligência está a serviço da verdade, e não o inverso. Serviço afetuoso, por certo, e entusiasmado, porém respeitoso. São Bernardo desenvolve essa idéia no início do seu tratado sobre Os Graus da Humildade e do Orgulho. A verdade a que ele visa é o próprio Nosso Senhor, a Verdade. Mas o que ele diz também se aplica, muito bem, às parcelas de verdades que podemos esperar.

Comenta a palavra de Jesus: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo. 14, 16). “O Caminho é a humildade que conduz à Verdade.” Para justificar sua interpretação, cita Nosso Senhor: “Aprendei de mim, que sou doce e humilde de coração” (Mt. 11, 29). “Ele se oferece, pois, como modelo de humildade e doçura. Se for imitado, não se andará nas trevas, mas à luz da vida” (Jo. 8,12). “Ora, o que é a luz da vida senão a verdade, a verdade, digo, que ilumina todos os homens deste mundo e lhes mostra o verdadeiro caminho? [...] Considero o caminho, isto é, a humildade, e desejo o fruto, quer dizer, a verdade. [...] O conhecimento da verdade se encontra no alto da escada da humildade.” S. Bernardo cita, igualmente, e comenta no mesmo sentido, a prece de Nosso Senhor (Lc. 10, 21): “Eu vos dou glória, ó meu Pai, Senhor do Céu e da Terra, cujo conhecimento das coisas encobristes — isto é, a verdade — aos sábios — isto é, aos orgulhosos — e que revelastes aos pequenos — isto é, aos humildes.” “Por aí se vê que a verdade é coberta para os soberbos e revelada aos humildes.”

IV – A VERDADE EVOLUI?

Esse novo slogan também é freqüentemente encontrado: “O que dizeis é interessante, mas valia noutros tempos”; “o que era verdadeiro ontem, já não o é hoje”.

A definição de verdade continua a nos dar a resposta. O critério da verdade é a conformidade da inteligência ao real. Daí, se o objeto conhecido não muda, a verdade não mudará. Ao contrário, se o objeto muda, o que dizíamos dele já não será verdadeiro.

Se encontro um menino, por exemplo, que mede um metro e se afirmo: “Ele mede um metro”, estou na verdade. Se alguns anos depois, ao passo que o menino cresceu 20 cm, eu continuo a afirmar que ele mede um metro, estou em erro. A verdade mudou. Ao contrário, se afirmo do menino, nessas duas épocas, que ele tem natureza humana e, portanto, que deve obedecer a tais leis e que é feito para o Céu, então digo uma verdade que não muda.

A permanência (ou, ao contrário, a variação) da verdade decorre da permanência (ou mudança) do objeto. Decorre da característica objetiva da verdade.

Eis, portanto, as características da verdade que a sua definição nos permite conhecer, e que essas objeções fizeram ressaltar: a verdade é objetiva, é imutável (na medida em que o objeto é imutável).



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