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sábado, 23 de julho de 2016

[FH] O combate contra a solidão



A solidão aflige a muitos hoje em dia. Nas cidades, muitos estão habituados a frequentar festas que aglomeram multidões, relacionam-se amorosamente (ou apenas sexualmente) com vários, riem alcólicamente à exaustão na companhia de colegas e, não obstante, quando repousam a cabeça sobre o travesseiro, são invadidos por uma grande tristeza, carecendo de amizade e vida verdadeiras.
Outros, mais caseiros, sentam-se diante do computador e passam o dia falando e encontrando pessoas dos lugares mais diferentes e distantes. Na afeição pelas redes sociais, acontece, às vezes, de alguém desnudar totalmente sua vida a estranhos ou, até mesmo, de alguém transformar o perfil num tipo de propaganda extravagante de si. Tudo feito na esperança de que outra pessoa se interesse e sinalize que "curtiu". Acontece, também, de alguém se esconder em pseudônimos, alegrando-se pela liberdade adquirida, mas entristecendo-se pela constatação de que, no final das contas, qualquer afeto encontrado não é direcionado a si, mas à sua máscara. Seja como for, atocham seus perfis com amigos virtuais - e se preciso, fazem mais perfis. Para esses, desligar o computador significa ver-se refém duma realidade cruel ou, alguns diriam, sem graça. Porém, o que mais lhes doe é a ausência dum ser humano, ali do lado, que diga, a despeito de todos os defeitos que tiver, que o ama.

Falando sobre solidão, é claro que se fala duma ausência. Sem rodeios, concluiríamos que se trata da ausência de outra pessoa, talvez um amigo, um amante, um familiar. Mas, essa conclusão supõe, mesmo que veladamente, que há uma presença, a nossa, e que nada mais existe próximo dessa presença. O que é deixado de lado, nessa aparente obviedade, é a possibilidade de que os outros não estão ausentes. Eles estão ali, às multidões. Porém, somos nós que estamos dentro duma redoma maciça, isolados e incomunicáveis, entrincheirados atrás do medo de ser ferido por uma palavra ou, até mesmo, por um olhar. Mesmo que alguém chegue perto, é como se não tivesse. É até cômico imaginar uma pessoa chorando por julgar estar sozinha, enquanto está cercada por pessoas dizendo: "Ei, vamos sair!", "Quer ser meu amigo?", "Vamos conversar".

Mas, que estado é esse em que, temendo sofrer por causa dos outros, fecha-se em si mesmo e, ao mesmo tempo, sofre por justamente afastar-se dos outros?

A verdade é que esse tipo de solidão supõe, em sua raíz, um profundo medo da vida. É fato do cotidiano que viver supõe a coragem de arriscar-se. Chesterton exemplicou isso brilhantemente em Ortodoxia falando do naufrágio. Quando o navio está afundando, todos pensam em salvar suas vidas. Porém, alguns apegam-se tanto à própria vida, que ficam imobilizados no navio, afundando. Isso, por medo de perder-se nos vastos mares ou de ser abocanhado por alguma fera marinha. Outros, no entando, jogam-se às águas, na esperança de, após combater as adversidades, encontrar um lugar seguro. Os primeiros amam demais a aparente vida segura que levam no navio e, a todo custo, tentam salvá-la. Porém, eles estão naufragando e isso não tem volta. Assim, tentando salvar suas vidas, perdem-na. Por outro lado, os últimos amam tanto a vida, que são capazes de abrir mão da vida decadente do navio para alcançá-la em grau mais elevado. Assim, renunciando as suas vidas, salvam-na.

Tal como o naufrágio, a vida deste mundo passa. Quanto mais nos apegamos a ela, mais acovardados e imóveis ficamos. Pretendendo conservar a saúde e a beleza do corpo, como também o conforto e a comodidade, recusamos a chance de perder tudo isso e ganhar bens mais elevados. Porventura, se os desbravadores quinhentistas não abandonassem suas vidas na Europa e não enfrentassem as tempestades, a fome, a doença e as contendas, não teriam encontrado novas terras que, segundo eles mesmos, pareciam o paraíso - tamanha a beleza. Se o agricultor não despejasse sua força no arado e não enfrentasse o cansaço, o sol e a espera, não colheria os frutos suculentos que alimentam suas famílias. Assim, também, se as pessoas não abrissem seus corações, entregando-se a outros, e se não estivessem dispostos a enfrentar as limitações, os vícios e as adversidades humanas, não encontrariam a amizade.

A solidão, nesse sentido, é um apego a si mesmo, uma atitude de covardia perante os outros, um isolamento que tenta conservar-se, mas que termina fazendo perder-se a si mesmo. Jaz o naúfrago, sozinho, afundando no abismo. Esse personagem se  isola pela mentira, pelas desconversas, pelas piadas e sorrisos forçados, pelas bebedeiras, pelo entorpecimento, pelos muros e paredes, pelos meios de comunicação, pelas desculpas, pela conversa fiada. O covarde  é criativo quando se trata de furtar-se do combate. Uma vez ciente disso, se ele quiser a vida plena, precisa primeiro deixar de fugir da verdade e parar de inventar razões para não segui-la. Tem que calar a tentação de justificar sua covardia. Evidente que precisa reconhecer a existência dela, afinal não se busca cura para doença em cuja existência não se acredita. Todavia, admitir que é convarde não implica em decidir viver como um.

Depois, é preciso arriscar-se. Saltar em direção à vida e, por isso, entregar-se àquele que é a vida: Jesus, Nosso Senhor. Não é à toa que ele mesmo diz: "Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por minha causa, recobrá-la-á. Que servirá a um homem ganhar o mundo inteiro, se vem a prejudicar a sua vida? Ou que dará um homem em troca de sua vida?..." (Mt XVI, 24-26).


Lançar-se nas águas da graça, deixar-se fixar na árvore da vida, trilhar o caminho da cruz, consistem em amar. Primeiro Deus sobre todas as coisas. Depois o próximos como a nós mesmos. Se saltássemos do navio em direção às águas agitadas do mar sem nos confiar à guia do Senhor dos mares, dos ventos e das criaturas, vagaríamos a esmo e, antes que a água invadisse nossos pulmões, já teríamos nos afogado no desespero. Todavia, quando estamos sob a orientação do Senhor e somos protegidos e sustentados por Sua mão poderosa, não só desbravamos a imensidão com ânimo inabalável, mas somos conduzidos até a terra que emana leite e mel. Amar significa de algum modo perder-se, porém, amando, encontramos a Deus e aos nossos irmãos. Amando, somos injetados no coração de Deus, onde encontramos os tesouros que não perecem, nem os ladrões furtam, e é certo que lá não existe solidão.   

Entendido isso, é preciso ficar claro que combater a solidão não significa simplesmente cercar-se de pessoas. Há solitários que vivem na multidão. Combater a solidão é combater o apego a si mesmo, é enfrentar a covardia de passar pelas adversidades que existem no relacionamento com outras pessoas. É abrir-se  ao outro e doar-se a si mesmo pelo bem e salvação dele. Significa ainda aprender a confiar na vida e n'Aquele que é a Vida.


2 comentários:

  1. Pelo que vi, quase 5 anos já se passaram desde que o presente artigo foi escrito. Tudo que li neste site (que li inteirinho!) é muito profundo e serve para todas as pessoas, mas nada é mais inquietante do que os artigos -- e sobretudo esta dura narrativa -- sobre a solidão.

    Deus meu... Desejo com todas as forças que hoje não seja mais assim! Se as causas mediatas ainda não foram removidas, porque o tempo (que é de Deus) simplesmente ainda não apagou todas as memórias de um passado muito doloroso, ao menos as imediatas, preciso deduzir que sim! Na verdade, a experiência me diz que num coração onde reina Nosso Senhor Jesus Cristo, mesmo permanecendo ainda as cruzes ou sobrevindo alguma perplexidade passageira, as geleiras derretem sob o sol da esperança e se tornam simples orvalho, e onde havia somente chão calcinado de repente desponta e vinga um belíssimo jardim, sob o signo da caridade "em flor". Que solidão será possível aí?

    E uma vez bem cuidado e protegido, arrancadas as ervas daninhas e afastado tudo que há de perigoso, o que impedirá esse jardim de frutificar? Nesse lugar as crianças podem brincar em segurança, os jovens vêm buscar conselho e companhia, os mais velhos vêm buscar apoio, e os amigos virão de longe celebrar os seus anos de existência, porque no seu jardim, antes de todos, o Espírito Santo (o Jardineiro) já tinha feito permanente morada e, como Lhe é próprio, muitas maravilhas.

    Ao fim de cada tarde, todos esses corações, inocentes e barulhentos como são, se unem para rezar o Terço na capela do jardim, por obra santa exclusivamente sua. Vê bem o paralelo? Coragem, querido irmão. Aos poucos, hão de amainar todos aqueles flagelos.

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  2. Quem é o autor do artigo? Gostei muito inclusive me ajudou. Gostaria de saber.

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