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domingo, 13 de novembro de 2016

[Esp] A vitória sobre si mesmo - a mortificação (II)

Continuamos aqui nosso post anterior. Como dizíamos, nossa primeira meta, a castidade, não se consegue ou vive da noite para o dia, e a mortificação é um dos meios para alcançá-la. Mas por qual razão devemos nos impor algumas privações, abrir mão de certo conforto? Por quê? Não fomos criados para ser felizes nesta terra? Para responder a isso, prosseguimos com a publicação de uma série de textos extraídos do livro A vida espiritual reduzida a três princípios, um clássico de autoria do Padre Maurício Meschler, S.J., que nos ajudarão a entender e a praticar a vitória sobre nós mesmos.


POR QUE DEVEMOS NOS MORTIFICAR?




Numerosos são os motivos que nos incitam á pratica da mortificação.

1. Primeiramente, cumpre não nos esquecermos de que nosso estado é de decadência; isto é, uma condição sujeita à desordem e à corrupção; aliás, a evidência não nos permitiria iludirmo-nos a esse respeito. Nossa natureza assemelha-se a um tronco de árvore tosco e nodoso; as rugosidades, os nós, são todas essas inclinações mesquinhas e perigosas, muitas vezes inconfessáveis, que nos dificultam a prática do bem, impelem-nos ao mal induzindo-nos ao pecado. Somos repletos de amor próprio, orgulho, inveja, indolência, covardia, impaciência, sensualidade, inconstância! O mais prendado dos homens pode decair miseravelmente de sua primitiva nobreza, se vier a perder o domínio sobre si mesmo, cessando de lutar contra a própria natureza. Descurar, por um só dia, de combater as nossas más inclinações, é expormo-nos às mais funes­tas consequências. Enjaulam-se os animais ferozes, e, ainda quando dominados, a prudência aconselha que estejamos sempre de sobreaviso. Ora, em todo homem existe o animal. Não há vileza de que a criatura não seja capaz, sob o impulso das paixões desenfreadas. Só lhe resta um refúgio: a graça de Deus, coadjuvada pela força que provém do domínio de si mesma.

2. Sendo homens, vivemos na sociedade dos demais homens. Sem dúvida, o mundo não é o inferno, mas está bem longe de assemelhar-se ao Paraíso. A vida é uma viagem, porém, não de simples re­creio. É mister trabalhar, labutar; ora, o tra­balho, como a labuta, é uma fadiga. A vida é uma milícia, a ela não nos podemos furtar. É ainda a vida uma sucessão de sofrimentos e de alegrias, de boa e má fortuna; a prosperidade ensoberbece-nos até a presunção, a adversidade nos aba­te até o desalento e gera o desespero.

A vida é a convivência com outros ho­mens, ligados todos entre si por uma rede de associações, classes, estados e voca­ções as mais diversas, e cada cargo, cada posição, exige sacrifícios de toda a espécie. Que advirá se não tivermos adquirido o domínio sobre nós mesmos, um completo desprendimento e uma paciência a toda prova?

De paciência temos necessidade, para conosco, com os outros e até para com Deus, e não é possível a sua prática se não nos renunciarmos a nós mesmos.

3. Somos cristãos e, no cristianismo, tudo nos incita à mortificação. Nosso Di­vino Salvador no-lo prega em sua doutrina e por seus exemplos. É ela ensinada em todos os mistérios relativos à sua vida, do presépio ao Calvário, e a renúncia de si mesmo é a condição indispensável, imposta por Ele, aos que pre­tendem seguir-lhe seus passos, na qualidade de discípulos (Mat. XVI, 24). A mortificação é, por assim dizer, a divisa de sua doutrina. Crucificando o orgulho de nossa inteligência, a fé cristã sintetiza todos os motivos da abnegação de si mesmo. Os preceitos constituem outras tantas oca­siões de renúncia e os próprios sacramentos, símbolos da mortificação, nos ajudam a praticá-la mediante as graças de que são canais. Segundo S. Paulo, a vida cristã consiste em morrer com Jesus Cristo e ser com Ele sepultado (Rom. VI, 24 - Col. III, 3). O cristianismo seria uma religião vã, se não exigisse o desprendimento essencial que nos habilita a evitar todo pecado mor­tal, a resistir às tentações e a observar os mandamentos.

O homem só pode entrar no céu pelo caminho estreito e pela acanhada porta do desapego (Mat. VII, 14). Rejeitar, de caso pensado, o desprendimento de si mesmo, é inspirar-se ele nas máximas da natureza, renegar a fé e abdicar as noções da vida cristã.

4. Urge trabalharmos para a aquisição das virtudes, por ser esse o único meio de atingirmos o nosso fim. A prática das boas obras nos encaminha para esse fim, mas essa prática requer forças e essas só podem ser proporcionadas pelas virtudes, que constituem a capacidade permanente de operar o bem. Necessárias a todos são elas, porém de acesso mais ou me­nos difícil. É então que intervém a vitória sobre si mesmo. Como já vimos, a mortificação não é uma virtude isolada, mas que coopera com todas as outras.

É a virtude, por si mesma, bela, atraente, desejável; o que nos amedronta e dela nos afasta é a dificuldades que oferece sua aquisição e prática. Ora, o domínio de si mesmo dirime esse obstáculo. Aquele que conseguir vencer-se, possui a chave de todas as virtudes. Eis o que constitui a extrema importância da mortificação.

5. Outro tanto pode ser dito a respeito dos méritos, sem os quais não podemos entrar no céu. Não há nenhum tão seguro, como a renúncia a si próprio, porquanto ela vai de encontro às impressões naturais e está a salvo do perigo de ilusão. Nenhum é maior, porque não há maior vencer que vencer o homem a si mesmo, e essa vitória nos proporciona ocasiões de praticar as mais excelentes virtudes.

A lembrança dos menores sacrifícios, das mínimas mortificações, nos encherá a alma de jubilo, na hora extrema, e o mérito das boas obras fixará para sempre a nossa eternidade. Se formos vigilantes, quanto proveito podemos tirar das ocasiões grandes ou pequenas que se nos deparam no correr do dia!

6. Sendo assim, o mais excelente dos diretores é o que nos incita com maior energia a alcançar a vitória sobre nós mesmos, e o melhor livro espiritual o que nos ensina a mortificação. O progresso na virtude, diz o autor da Imitação de Cristo, está na razão direta da violência que o homem fizer a si mesmo. Isto é exato: a melhor espiritualidade e a menos sujeita a ilusões é a que nos leva a purificar o coração, a praticar atos de virtude e, por conseguinte, a extirpar as paixões desregradas.

Só o desprendimento é que nos dá os meios de conseguir esse resultado. A mortificação é a pedra de toque da verdadeira ascese.

7. Enfim, queremos e devemos ser do nosso tempo, isto é, ‘modernos’, o que vale dizer que é mister vivermos em conformidade com a nossa época, apropriando-nos o que ela tiver de bom, nas idéias e criações. Bem longe de se opor a isto, Deus se serve desse ideal, dessas tentativas e aspirações, para conduzir a humanidade a uma época e a um fim por Ele determinados.

Modernamente a grande preocupação dos espíritos é a cultura, o progresso, a civilização, em geral, e, particularmente, a formação da individualidade, da personalidade, do caráter, enfim. Tudo excelentes coisas. Efetivamente, de que apro­veitará a ciência, a arte, a economia so­cial, e todo o progresso exterior, se, no magnífico cenário por ele criado, o homem permanecer, individualmente, um bárbaro, destituído de formação moral, escravo das mais degradantes paixões? Se a palavra do profeta encontrar nele sua triste realidade: «A terra que lhe perten­ce, exubera ouro e prata; não há limites para os seus tesouros... o homem degradou-se, vilipendiou-se (Is. 7, 1 ss.).

Em que consiste a formação do caráter, da personalidade, da individualidade, senão em formar, educar e fortificar a vontade de modo a torná-la apta para o bem, capaz de tudo o que é nobre e verdadeira­mente digno de estima? É especialmente a vitória sobre si mesmo que opera essa transformação porquanto, por meio dela, a vontade exercita as próprias for­ças e se torna o instrumento do bem.

8. Se o homem apreciar essa escola, e aproveitar dessa formação, readquirirá a nobreza e o valor moral de que Deus o dotara primitivamente. Cada ato de mortificação, qualquer vitória ganha sobre si mesmo, o aproximam do original divino. Torna-se ele segundo o desejo do Criador: a imagem de Deus, o santuário da justiça, da sabedoria, da ordem, da formosura, da liberdade, da verdadeira fé.

Mas para atingir esse ideal há uma condição indispensável: é preciso que cada qual se convença a si mesmo.




2 comentários:

  1. Excelente post, nada mais grandioso para o homem que vencer a si mesmo e estar, assim, mais próximo de Deus.
    Que caminhemos juntos ao encontro de nosso Pai!

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  2. muito bom e instrutivo sobre a mortificação , obrigado pela matéria

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