É realmente necessário eu fazer mortificação, Jesus não sofreu o suficiente por mim já? Mas mortificar-se vai prejudicar meu corpo, minha saúde, isso não é pecado? Ah, eu não consigo perseverar nisso, nem vou começar, já sei que vou desistir, não é verdade? As respostas a essas perguntas, em continuidade a nossos textos sobre mortificação, está no seguinte texto extraído do livro A vida espiritual reduzida a três princípios, um clássico de autoria do Padre Maurício Meschler, S.J., que nos ajudará a entender e a praticar a vitória sobre nós mesmos.
ALGUMAS OBJEÇÕES
À PRÁTICA DA MORTIFICAÇAO
É
impossível negá-lo: a verdadeira mortificação não é um enfeite. Como todas as
obras sérias, nobres e santas, ela apresenta alguma dificuldade.
Aliás,
não é esta a característica de tudo o que é belo e grandioso? O que nada custa,
nada vale. Não admira, pois, que se levante certas objeções. Sempre assim foi,
e isso está na própria essência das coisas.
1.
Em primeiro lugar, é plausível ocorrer ao espírito a seguinte pergunta: será possível levar essa vida de contínua
mortificação e nela perseverar?
A resposta se acha no Evangelho. A lei da abnegação
nos foi dada pelo divino Salvador e concerne a todos. É um simples corolário do
funesto pecado original, e ninguém a pode modificar. Estamos em presença de um
fato; ou vencer ou perecer. Além disso, a própria razão reconhece a necessidade
do desapego de si mesmo, princípio admitido em todas as eras por todos os
homens ponderados e de bom senso. As qualidades já enumeradas, que deve possuir
a mortificação, derivam-lhe do próprio fim e são indispensáveis para atingi-lo.
Ora, uma coisa ordenada por Deus, reconhecida como um bem fundamentado, por
todos os homens sérios, não somente admitida, mas imposta pela razão, essa coisa é possível e realizável.
Efetivamente,
imenso é o número dos que cumpriram – e cumprem
ainda hoje – essa mesma lei. Porque não conseguiremos o que eles puderam e
podem efetuar? Nem os socorros nem os meios nos faltam. Não estamos entregues a
nós mesmos. São Paulo lamenta a sua miséria; termina, porém, o lamento, não com
um grito de desespero, mas com um hino de esperança e de vitória: “Desgraçado de mim! Quem me libertará deste
corpo de morte? A graça de Deus por Jesus Cristo Nosso Senhor”.
Nós
também recebemos a graça da oração e uma vontade capaz, a um tempo, de
dobrar-se e resistir; temos a certeza da vitória, mediante o auxílio divino.
2.
“Não será, talvez, nociva à saúde a prática
constante da mortificação?”
É
possível que seja, em determinadas circunstâncias, se a prudência vier a faltar. Aliás, é descabido proceder, cegamento,
sem observar o fim proposto. A finalidade da mortificação não é prejudicar a
natureza humana, e ainda menos arruiná-la, mas sim prestar-lhe auxílio. Logo, se houve prejuízo real,
é forçoso modificar o sistema. Um
incômodo passageiro não constitui dano verdadeiro, nem tampouco um perigo.
É também imprudente não ter claro o objetivo da mortificação, o qual deve ser
unicamente aquilo que for desordenado, repreensível, perigoso e inútil, e nunca
a natureza humana em si mesma, nem o que nela houver de boa e razoável.
Imprudência é, ainda, querer alcançar tudo de uma vez só. Demos tempo ao tempo,
enquanto Deus nos der tempo também. A
natureza e a graça procedem lentamente: o essencial é perseverar na obra que
foi iniciada. Enfim, é imprudente agir de nosso próprio movimento, sem
conselho nem direção. É necessário seguirmos as decisões de um diretor ou
conselheiro experimentado, no que disser respeito à medida, ao tempo e ao modo
nos mortificar.
Tomadas
essas precauções, nenhum perigo é para se recear. O risco é incontestavelmente mais sério onde não há mortificação. É
muito maior o número de pessoas que prejudicam a saúde, aceleram a morte de
modo menos glorioso pela falta de mortificação, que por se excederem nela.
Mesmo assim, é forçoso reconhecer que a mortificação é coisa difícil e árdua.
Porém, é necessário não esquecer que não
é mais fácil, nem menos custoso, desprezar a mortificação para nos colocarmos
sob a escravidão das paixões. Breve é o prazer, duradouro é o remorso.
Aliás, a prática resolve as dificuldades. A alegria da alma, a paz e a
consolação compensam amplamente o trabalho e o sacrifício.
Em
resumo, a mortificação é penosa quando não é praticada, como princípio, em
todas as coisas e de modo contínuo. Nossa alma está efetivamente doente, e, se
quisermos curá-la, é necessário nos sujeitarmos ao regime da mortificação.
“Quero!” Quantas dificuldades
não foram superadas por esta palavra mágica! De quantos feitos nobres e gloriosos
não foi ela a origem!
Logo,
saibamos querer e tudo está dito.
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