Quando se fala de mortificação, muitos reagem mal, dizendo: "Ah, isso é coisa de gente medieval, hoje é suficiente o amor! Jesus já sofreu o suficiente por mim!" Ora, se não fosse necessária a mortificação, São Paulo não teria dito o seguinte: "Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo em minha carne, por seu corpo que é a Igreja" (Cl 1, 24). Carregar a própria cruz inclui mortificar-se todos os dias, e a mortificação exterior, a seguir explicada, dá continuidade a nossos textos sobre mortificação, extraídos do livro A vida espiritual reduzida a três princípios, um clássico de autoria do Padre Maurício Meschler, S.J., que nos ajudará a entender e a praticar a vitória sobre nós mesmos.
DA MORTIFICAÇÃO EXTERIOR
1. A mortificação exterior consiste em empregarmos nossas forças morais
para manter na ordem e obediência os sentidos e faculdades do corpo, a fim
de nos servirmos deles segundo a razão e a consciência.
2. De um modo geral, o fim deste tipo de mortificação é nos
preservar dos desvios e abusos, sempre possíveis, no emprego dos sentidos, e
dispor os mesmos à prática do bem. Em outros termos, consiste em cercear
tudo o que constituir perigo ou incentivo repreensível e cuja mira seja somente
a satisfação própria. Abnegarmo-nos, acostumar o corpo ao que lhe parece
desagradável e penoso é pratica de extrema importância. Descendo a minúcias: é
necessário reprimir a curiosidade dos olhos, não lhes permitindo que tudo vejam
ou leiam, mormente sem ver risco de sensualidade. Tampouco não devemos
consentir em requintes no que concerne ao paladar, mas nos contentar de todo e
qualquer alimento, não ultrapassar a quantidade determinada e usar de grande
reserva relativamente às bebidas. Quanto ao tato, cumpre habituarmo-nos a um
trabalho sério, a um sono moderado, a suportar a fadiga e as intempéries das
estações. Um excelente modo de disciplinar os sentidos, e isento de qualquer
perigo, é observar o decoro em conformidade com a nossa condição e vocação.
3. A prática da penitência
exterior requer grande prudência e moderação; não nos esqueçamos de que ela tem por
fim auxiliar a natureza e nunca a prejudicar. Esse princípio nos deve servir de
norma. É de grande utilidade não continuar as mesmas penitências, por um tempo
prolongado; será bom variá-las. Uma privação imposta passageiramente não
acarreta, em geral, dano algum. Importa ater-lhe cada qual a um regime que não
enfraqueça as forças físicas ou intelectuais, mormente se se tratar de pessoas
jovens. Pouco, porém, fielmente; dizia um santo, a propósito dessa espécie de
mortificação.
4. O primeiro motivo que
nos induz a nos mortificarmos é a condição atual de nosso corpo e o seu pendor
para o mal.
Conforme
a doutrina cristã, após a queda primitiva, tornou-se ele uma potência do mal,
um instrumento de pecado. A Sagrada Escritura denomina-o simplesmente um “corpo
de pecado” (Rom. VI, 6), “uma lei de pecado” (Rom VIII, 23) e ajunta que a
carne combate contra o espírito (Gal. V,17). Eis por que S. Paulo castiga o
corpo (Cor. IX, 27) e apresenta a penitência própria como testemunho de sua
missão apostólica. A concupiscência, que constitui pecado, reside propriamente
na alma; mas esta forma com o corpo um único e mesmo ser, e, consequência dessa
estreita união, o que se passa nos
sentidos repercute no espírito e se torna pecado, pelo consentimento da vontade.
Quem ignora a
perturbação e o dano que pode causar um olhar imprudente? É pelos sentidos que a
maior parte das tentações se introduz na alma. Discipliná-los equivale a
desarmar o demônio e furtar-se o homem à tentação. A penitência tem por alvo
tirar ao corpo, não somente uma passividade ou excitabilidade demasiadas
relativamente as impressões dos sentidos, mas, também, comunicar-lhe, de outro
lado, facilidade, agilidade, disposição e perseverança para operar o bem,
subtraindo-o à morosidade e indecisão, à timidez, à indolência, e o mobiliza na
consecução dos bons propósitos. O melhor meio de conseguir esses resultados é a
mortificação dos sentidos. Até o espírito tira proveito da penitência imposta
ao corpo. O tratamento pouco lisonjeiro que ele deve infligir à carne
lembra-lhe constantemente a própria fraqueza e inclinação ao mal. Perde assim o
orgulho, causa funesta de todas as faltas, e evita as ocasiões de pecado.
Adquire força contra a sensualidade, assim como o fervor, o ânimo, a alegria, o
gosto da oração. Pela prática da penitência
exterior que consiste, em suma, na mortificação corporal, o espírito reanima-se
e, como águia, renova sua juventude. Das profundezas da terra eleva-se ele às
alturas da pátria celestial.
5. Enfim, a mortificação nos é recomendada por todos
os santos, até os mais brandos e amoráveis; aliás, eles apenas reproduzem a
doutrina do Salvador. Praticavam as austeridades com o rigor que as
circunstâncias e as respectivas vocações o permitiam.
Certamente,
está na essência do cristianismo dar o maior apreço à mortificação exterior,
rejeitá-la é desistir o homem de se tornar espiritual.
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