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terça-feira, 20 de setembro de 2016

[FH] O desafio de uma vida casta - Sexualidade em uma vida casta e solteira [III]


[Continuamos aqui o assunto abordado no post anterior sobre sobre como vivenciar a própria sexualidade dentro da castidade, a partir de de textos escritos pelo Pe. Benedict J. Groeschel no seu The courage to be chaste (A coragem de ser casto) inédito ainda em português. O post anterior pode ser lido aqui]


A sexualidade pré-consciente

O desejo sexual, com ou sem emoções delicadas e necessidade de intimidade, é parte de toda vida humana. A pessoa solteira tem de viver com ele, reconhecendo que a abstinência sexual pode  fazer  a  mente  inconsciente  ou  pré-consciente  ser  mais,  ao  invés  de  menos,  ativa sexualmente. Isso vai além do escopo deste livro, examinar a relação da pessoa consciente, pensante e moralmente responsável com o grande mar interior e sombrio do inconsciente. O estudo dessa relação é um dos grandes dramas da psicologia moderna; as pessoas que falham em reconhecer as profundas questões envolvidas machucam-se freqüentemente por uma complicação insensata no inconsciente, assim como os pouco familiarizados com o mar acabam com freqüência afogados.

Por agora, é suficiente indicar que o solteiro casto, como qualquer um, não pode esperar sondar pela inteligência ou eliminar pela vontade os profundos rios do desejo sexual ou da necessidade de afeto e intimidade. Somente no final duma longa vida de luta alguém pode ter a esperança de superar a assertividade centrada em si próprio que corre de muitas formas nas profundezas da psique. É uma tarefa da espiritualidade ajudar-nos a lidar com essas vastas correntezas, não a tentar represá-las. Nessa profundidade jazem os sistemas de energia da vida humana, inclusive a energia de seguir o chamado de Deus a santidade.

Nessa profundidade, também, estão à espreita os mais perigosos efeitos do pecado original, alguns inatos e alguns decorrentes do ambiente. A falha em reconhecer e lidar com o inconsciente pode levar à catástrofe. A observação seguinte sobre a “sombra” – palavra que representa a parte inconsciente da psique, que contém ambos aspectos, positivos e negativos – foi feita por Frances G. Wickes, uma psicóloga americana da escola jungiana que se interessa há muito tempo pela vida espiritual.

“Às vezes quando alguém sente que os obstáculos da vida, até quando enfrentados com coragem, são intransponíveis, pode descobrir que parte da dificuldade é causada pela insuspeita atividade da ‘sombra’”[1]

Wickes discutiu o caso do homem que, fora do senso de posse, suprimiu esses misteriosos e perturbadores sentimentos por um silêncio educado, em vista de ter um ambiente apropriadamente harmonioso. Ela fez, então, a seguinte observação sobre os efeitos dessa negação.

“As realidades desvanecem quando alguém teme qualquer coisa que possa perturbar a superfície calma, sejam essas realidades exteriores ou interiores. Então as dificuldades podem ser projetadas. O mal está atuando no outro colega. As sombras dos outros se sobrepõem ao caminho e elas podem ser evitadas. A vida exterior se estreita, a vida interior se torna mais superficial. Mas, lá no fundo, a Sombra tem um farto banquete”[2]

A importância de lidar com a sexualidade pré-consciente e o emprego inteligente da sombra ilustra-se pela seguinte história. Os fatos deste caso são os fornecidos, embora alguns detalhes sejam mudados.

Eduardo era um seminarista devoto e instruído, a dois anos da ordenação para o sacerdócio. Ele vinha do que parecia a qualquer pastor um lar ideal. Seus pais eram devotos, trabalhadores e educados. Eles trabalhavam juntos para dar aos filhos tudo que podiam e preparava-os para este mundo e o próximo. A meta da vida de Edu era ser um missionário.

A castidade era um valor sério na sua vida e ele acreditava que ele estava bem preparado para levar uma vida casta. Seus pais proveram-lhe instrução adequada sobre “os fatos da vida”. Seus irmãos e irmãs mais velhos já tinham se casado e ele se inteirara das suas experiências enquanto se preparavam para o matrimônio. Edu tinha uma consciência muito forte, que um teólogo podia admirar por sua qualidade intelectual e seu poder de dirigir o comportamento. Um psicólogo poderia detectar uma tendência de ver as coisas muito preto no branco, um tendência descrita como um super-ego rígido. Mas Edu compensava de vários modos esta aparente rigidez. Ele se preocupava com os outros, envolvia-se com os assuntos sociais e era genuinamente simpático às necessidades dos desafortunados. O único com quem Edu era duro era ele próprio.

Certo verão Edu foi designado para trabalhar numa região muito pobre. Para seu horror, ele acabou envolvido com duas garotas diferentes, da sua idade. Ambas eram experientes com a sexualidade. Nenhuma delas ficou chocada ou escandalizada com o comportamento de Edu, pois elas sentiram pena dele. “Ele era um cara tão legal e parecia saber tão pouco sobre a vida”. Era esta a atitude delas.

Edu tirou licença de um ano do seminário e trabalhou numa ação social. Seu comportamento saiu do controle, embora sua consciência e seu sistema de valores não mudassem nem um pouco. Por sugestão minha, ele começou terapia com um psicólogo religiosamente orientado. Edu também rezou fervorosamente pela ajuda de Deus. Por fim, ele concluiu que o sacerdócio não era para ele – ele sentia que não podia viver sem intimidade sexual.

Ele está agora casado com uma mulher muito devota e eles têm muitos filhos. Edu explicou-se depois que ele não tivera chance senão de se casar. Ele sentiu que Deus não respondeu à sua prece pela graça da vida celibatária e, conseqüentemente, indicou-lhe que o casamento era seu caminho.

Este é um caso perturbador para pessoas das mais diferentes formas de pensar. O devoto sentirá que, talvez, Edu tivesse sido desonesto ou não pertencesse ao seminário, em primeiro lugar. Se assim, eu desafiaria qualquer um a conhecer este homem e ainda acreditar nisso.

Outros dirão que o caso de Edu sugere que o celibato obrigatório para padres mantém bons homens afastados do sacerdócio e deveria ser abolido. O fato é que muitos homens, com bagagens semelhantes à de Edu, são padres satisfeitos, atuando bem e sendo capazes de ser castos sem problemas. Por outro lado, outros dirão que Edu está preso a um casamento infeliz, uma vez que ele se casou para resolver seus problemas. Mas ele está casado e feliz. Ele e sua esposa são parecidos de muitas formas, e eles vêm mantendo um lar feliz por muitos anos.

A experiência de Edu sugere-me que a repressão é uma forma perigosa de controle sexual, em especial quando ela é usada exclusivamente para administrar a própria sexualidade. Edu explicou-me que, toda vez que ele ficava ciente da mínima atração sexual ou fantasia, ele energicamente a afastava da mente. Ele nunca foi incomodado por tentações com autoerotismo ou qualquer outra expressão sexual. Ele teve algumas poucas tentações no total, até aquele dia horrível em que o desejo irresistível acertou-o em cheio.

A moral desta história é que o controle consciente, com todas as lutas que ele implique, é de longe o melhor jeito de administrar a vida do que a repressão ou forçar os impulsos todos para o inconsciente.

Embora fosse uma boa pessoa, Edu nunca assumiu realmente a responsabilidade do seu comportamento sexual, pois ele nunca foi desafiado. Quando o desafio chegou, o poder dos sentimentos sexuais reprimidos era tão forte que o acertou como um maremoto. Ao invés de gentilmente assumir a responsabilidade do seu comportamento, Edu rezou e esperou por um milagre espiritual – a remoção de todo impulso sexual. Novamente, ele não assumiu a responsabilidade de si mesmo. Isto pode ser feito tal como fazem os Alcólicos Anônimos, até mesmo quando se admite que é impotente. A mente e a autoimagem de Edu eram rígidas demais para fazer essa confissão e lidar diretamente com semelhante objetividade. Se ele houvesse sido capaz de lidar com a idéia de que ele era um pobre pecador, assim como todo mundo, talvez ele pudesse haver passado pelos desafios das suas necessidades reprimidas e, com a graça de Deus, conseguisse o controle consciente.

Pode ocorrer a você a questão que me ocorreu: Por que ele não recebeu alguma graça especial para superar esta barreira? Esta questão traz à tona o assunto mais abrangente da Providência de Deus. Talvez não fosse para ser. Edu tinha algo mais forte até do que sua virtude e isso era a sua fé. Em toda essa escuridão, ele acreditou que Deus o conduziria ao lugar onde ele devia estar. Quando eu visitei Edu e sua esposa, tive certeza de que Deus quis assim. Se nós acreditamos, damos a Deus a chance de escrever certo por linhas tortas.

[continua...]


[1] The choice is always ours, ed. Philips, Howes, Nixon. Wheaton, III : Quest Books, 1972 (originalmente publicado por Harper & Row, 1966), p. 309-310.
[2] Ibid, p.310.

2 comentários:

  1. Este livro existe na lingua espanhola ? Desejo compra-lo, mas não tenho muita intimidade com o inglês.

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    Respostas
    1. Oi irmão anônimo, infelizmente o livro não tem ainda tradução para o espanhol. Só está disponível em inglês mesmo.

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